*Dalmo Oliveira
Eu sinto muito! Isso é tudo que se pode dizer diante das já cotidianas cenas de violência exibidas com um certo frisson pelos diversos meios de comunicação de massa na atualidade. Não importa tanto se a violência é patrocinada por uma catástrofe natural, a la tsunamis engolindo parte da Ásia, ou se tem a cara de um terrorista checheno explodindo criancinhas numa escola russa. O fato é que estamos expostos 24 horas por dia à inevitável e interminável violência humana.
Determinados episódios conseguem, entretanto, me sensibilizar mais que outros. Às vezes algo que ocorreu do outro lado do planeta me comove mais que o crime ocorrido com um amigo ou parente, aqui do lado. Fico imaginando o desespero nos olhos dos garotos feitos reféns na escola russa. A agonia das mães gritando, barradas pelo cordão de isolamento da polícia. Mas o que me doe mesmo é nossa impotência diante da violência. É a total impossibilidade de refrear a fúria dos que cometem os crimes em massa. É nossa fragilidade diante do gigantismo destrutivo da força da natureza.
O medo da morte iminente me paralisa. A certeza de que ninguém está 100% seguro no planeta terra faz com que tenhamos a clareza de que a vida é um bem passageiro. Mas é da mesma forma um bem descartável. A vida é um lapso do caos! É o desafio ao desacerto. Numa sociedade de massa, onde a guerra pode ser transmitida ao vivo pela TV, a violência só tende à banalização. Para a psicologia, é a eterna briga entre Eros e Tanhatos que se manifesta diariamente nas relações humanas e do homem com a natureza.
Mas não há sintoma neurótico que explique a covardia dos assassinos, assim como não há justificação científica que nos conforme dos desastres naturais. Se não, como entenderíamos de forma racional o assassinato da missionária norte-americana no Pará? A crueldade e frieza dos pistoleiros de aluguel que eliminam a sangue frio alguém que sequer se conhece? Como compreender a lógica religiosa dos homens-bomba? De que forma analisar a voracidade dos “cães de aluguel” ? A demência sanguinária de todos os mercenários assassinos? ?
À cada bala, a sensação de que a humanidade falhou. À cada bomba, o sentimento de que nossa alma está irremediavelmente doente. Foi com esse tipo de reflexão que Wilhelm Reich publicou, em 1953, uma de suas mais contundentes obras: "O Assassinato de Cristo" onde explora o significado da vida e morte de Jesus. Reich classifica esse episódio sádico da história da humanidade como a "peste emocional que assola a humanidade", desde sempre.
É como se o homem se defrontasse, através dos tempos, com a responsabilidade pelo assassinato de Cristo. Um crime contra o vivo seja qual for a forma sob a qual a vida se apresenta. Independentemente da corrente religiosa a que se pertença, o Cristo assume nessa condição o papel do divino entre a humanidade. Assassinar o Cristo é o mesmo que renegar a vida, como um todo.
E quantos assassínios já não ocorreram em nome de Deus e do próprio Cristo? Quanta vida destruída em nome do amor, ou da fé ou da propriedade? Quantas Stangs e Margaridas ainda serão necessárias para saciar a sede de sangue desse monstro invisível que se manifesta em cada um de nós, com maior ou menor intensidade?
Reich apontou a morte de Cristo como um sintoma neurótico da humanidade. Como se os humanos carregassem uma espécie de serial killer genético na cabeça e na alma. Uma seqüência infindável de brutais assassinatos inaugurado talvez por Caim, conforme relata o Velho Testamento. Mas, que culpa temos nós por essa sede infame de vidas alheais? Porque temos que carregar essa maldição ad infinitum ? Onde está nossa responsabilidade social ou individual pela degeneração incontida da sanha assassina?
Eu só tenho perguntas e estupefação. Não consigo entender a lógica destrutiva dos criminosos “comuns” ou dos genocidas. Sei que há diferentes razões entre Focinho de Porco e George W. Bush. Mas a lógica do assassinato é uma só: o medo de amar!
* Dalmo Oliveira é jornalista, mestrando em Comunicação pela UFPE.