quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Outro tiro ideológico na memória paraibana







Por Dalmo Oliveira[1]

 

O assassinato por si só já é algo inumano. Mas quando se mata outra pessoa por motivos ideológicos, aí é que enxergamos em que tipo de humanidade estamos metidos. Os tiros em Manoel Bezerra de Mattos Neto, desferidos por um encapuzado no último dia 24 numa casa de praia em Pitimbu, litoral sul da Paraíba, não tiraram a vida violentamente apenas de um homem. Eles feriram mortalmente, mais uma vez, a dignidade humana do povo da Paraíba.

Lembro-me dumas matérias que escrevi quando estava no jornal O NORTE, a partir dos relatórios que a Comissão Pastoral da Terra (CPT), coordenada à época pelo destemido Frei Anastácio, mostrando os números da pistolagem no campo paraibano e das mortes nos conflitos pela posse da terra. A violência ideológia não é coisa recente por aqui. Ela se repete num ciclo macabro, movida por diversas matizes da disputa social.

Apagar testemunhas e delatores é uma prática comum em todas as organizações criminosas. Quem nunca assistiu um bom filme sobre a máfia, retratanto aspectos da violência instaurada nas diversas camadas sociais? Uma trama que envolve, invariavelmente, policiais criminosos, criminosos impiedosos, vítimas inocentes e “cabras marcados para morrer”.

Para o pesquisador Geovani Jacó de Freitas, da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará, também membro do Laboratório de Estudos da Conflitualidade e da Violência (Covio) e autor de Ecos da Violência: narrativas e relações de poder no Nordeste canavieiro (2003), esse tipo de brutalidade social e cognitiva, sempre marcou as relações entre grupos sociais distintos no tecido social paraibano.

Homens assassinam homens desde os irmãos mitológicos Caim e Abel. A sanha criminosa manifestava-se apenas nas motivações instintivas naquele tempo. Era o ódio pelo ódio, e a vontade de destruir o objeto do nosso ódio animal. Mas logo as motivações se transformariam, à medida em que o homem passou a se agregar mais e mais nas chamadas sociedades primitivas.

A história do ódio e do assassinato sempre alimentou os best-sellers mundiais. De Dostoiewisk a Dráuzio Varela, todos os grandes escritores retratam e relatam episódios onde a violência do ser humano aniquila outros. Mas um crime é um crime e não há como criar eufemismos e subterfúgios para os assassinos. Claro que um cara como Hitler, que efetivamente deva ter disparado poucas vezes, mas foi o responsável maior pelo extermínio de tantos homens, mulheres e crianças, não pode ser comparado ao cara que disparou a doze na no peito e na cara do Manoel de Mattos.

Hitler matou e mandou matar por causa de uma ideologia de supremacia racial. O assassino de Pitimbu matou por encomenda. Talvez nem tivesse tanto ódio assim de sua vítima, mas cumpria uma missão, como os soldados do Füher. Uma missão claramente ideológica, movida pelo claro conflito de classes.

A gangue que atua na região onde foram denunciadas as ações de grupos de extermínio na divisa PB/PE se move ideologicamente. O banditismo desse grupo é alimentado por razões para além do crime pelo crime. Há uma razão ideológica semelhante àquela que vitimou, João Pedro Teixeira, Margarida Maria Alves, Chico Mendes, e a irmã Dorothy Stang, em Anapu (PA).

Não é simplesmente um crime por terra, mas um assassínio calculado e programado para desestimular e destruir aqueles que se posicionam em defesa da maioria expropriada pelos latifúndios, ou pelos que se levantam contra o tráfico de drogas e de armas. Uma cadeia criminosa que alimenta outra.

E como se não bastasse a brutalidade dos derradeiros assassinatos, ainda se fomenta o extermínio de tantos quantos denunciem a criminalidade, como o ex-deputado Frei Anastácio e o deputado federal Luiz Couto. Não estamos falando de um acerto de contas, mas de uma organização covarde contra a população indefesa paraibana e brasileira.

Para estancar a matança só há uma solução: da um basta no silêncio cúmplice e covarde. Contra a estupidez das armas, só a mobilização solidária do povo oprimido.

 



[1] Graduado em jornalismo pela UFPB, ex-repórter de O NORTE, mestre em Comunicação pela UFPE.