segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Encontro com Gil

fotos: dalmo oliveira









 






 

Esse é um relato duma noite meio que mágica, meio que trágica. Mas o que se sobressai mesmo é a magia! Quando encontrei o Gilberto Gil, minutos antes do início do show, ele tabulava uma tranqüila conversa/entrevista com o Sílvio Osias, renomado jornalista de cultura da cidade. Fiquei esperando minha vez e prestando atenção no papo dos dois. Aproveitei para fazer umas fotos desse encontro antropocultural proporcionado por aquele flagrante inesperado.

 

Imaginava, minutos antes, enquanto vínhamos no carro pro local do concerto, o que ele pensaria em se apresentar num canto com emblema tão sui generis: Jacaré Pop. “Porra, botar o Ministro pra tocar no Jacaré é sacanagem! É ou não é Tadeu?”. O cara cansado de tocar em estruturas como as do Canecão... Mas o poeta tem razão, e o bom artista deve ir aonde o povo está. E lá estava Gil e seu público sedento e apaixonado.

 

Quando, enfim, a produção começou a avisar ao Gil que o espetáculo começaria pontualmente às 11h30, e o Sílvio foi embora com sua filha, pude pedir um minuto da atenção de um dos meus maiores ídolos vivos na MPB. Expliquei que também sou jornalista e que trazia algumas “lembranças” para ele. Primeiro dê-lhe um exemplar do último cd do Toninho Borbo,  “Para fins de mercado”, explicando que se tratava de uma nova (e boa!) geração de músicos de Campina Grande.

 

Depois ofereci uma camiseta de nossa campanha ao Sindicato dos Jornalistas da Paraíba. Com a frase “Jornalismo combina com ética”. Expliquei que o produto fora produzido com tecidos do algodão da variedade naturalmente colorido, desenvolvido pela Embrapa, que, por coincidência ou não, também fica na Rainha da Borborema.

 

E por último, tirei da sacolinha um exemplar duma cartilha sobre anemia falciforme, recém lançada na cidade de Salvador, numa parceria da ABADFAL com as secretarias municipais de Saúde e de Educação de lá, especialmente pensada para o público escolar.

Gil falou que conhece a hemoglobinopatia que possuo. “Atinge mais nós pretos, né!?”, disse-me o Ministro. Daí revelei que queremos desenvolver um projeto para a mídia televisiva e internet com depoimentos de personalidades nacionais afrodescendente e de outras etnias, explicando para a população, em rápidos spots, aspectos da doença falciforme, que hoje é, reconhecidamente, o maior problema de saúde pública brasileiro e, mesmo assim, a população não tem informação.

 

“Procurem-me quando estiver tudo pronto. Pode me procurar”, disse Gil. Dê-lhe boas-vindas à Paraíba, agradeci e sai. Fui curtir o show magnífico que ele e sua mágica banda realizaram naquela noite, para um púbico, digamos, modesto prum cara como o Gil. O que se seguiu foram DUAS horas inteiríssimas de uma apresentação absolutamente inesquecível para mim.

 

Só quem curte muito o Gil sabe o transe que rola enquanto ele canta e toca. O que vi foi um músico incansável sobre o palco, que encerrou o espetáculo aos pulos, como se estivera na beira-mar de Ondina, arrastando o povo no seu Expresso 2222. Dá gosto de ver aquele negro chegar a esse ponto da carreira e da vida como ele chegou, na manha, na resistência e na coragem.

 

Admiro Gilberto Gil pelo rastaman que sempre foi, e agora mais que nunca com suas dreadlocks exuberantes, reconhecendo neste artista uma espécie de militância, um certo sacerdócio, atéico e fervoroso, ao mesmo tempo. O papo que ele levara com o Osias antes do início do show, tinha a ver com essa viagem filosófica-existencialista, sobre Deus etc. “Alguém me disse uma vez, é preciso refletir sobre a morte e o que ela realmente significa para cada um de nós”, comentava o artista. Uma das músicas executadas no show do Jacaré Pop foi “Não Tenho Medo da Morte”, do mais novo disco, Banda Larga Cordel, com músicas inéditas de Gil, depois que Quanta, em 1997. Veja o que diz a letra:

Não tenho medo da morte/mas sim medo de morrer/qual seria a diferença/você há de perguntar/é que a morte já é depois/que eu deixar de respirar/morrer ainda é aqui/na vida, no sol, no ar/ainda pode haver dor/ou vontade de mijar

A morte já é depois/já não haverá ninguém/como eu aqui agora/pensando sobre o além/já não haverá o além/o além já será então/não terei pé nem cabeça/nem figado, nem pulmão/como poderei ter medo/se não terei coração?

Não tenho medo da morte/mas medo de morrer, sim/a morte e depois de mim/mas quem vai morrer sou eu/o derradeiro ato meu/e eu terei de estar presente/assim como um presidente/dando posse ao sucessor/terei que morrer vivendo/sabendo que já me vou/ então nesse instante sim/sofrerei quem sabe um choque/um piripaque, ou um baque/um calafrio ou um toque/coisas naturais da vida/como comer, caminhar/morrer de morte matada/morrer de morte morrida/quem sabe eu sinta saudade/como em qualquer despedida.

 

Eu acho que estava cursando a 7ª série do antigo ginasial, no Colégio Santo Antonio, em Guarabira, quando uma de minhas melhores amigas da época, Ismênia, me perguntou, do nada, o que eu achava do Gilberto Gil. Lembro muito claramente que ela fez essa pergunta porque estávamos, na hora do recreio, perto de um lugar onde o rádio tocava “Andar com fé”. Naquele momento eu não sabia o que responder para a menina dos meus olhos. Depois saquei que ela perguntara aquilo provavelmente porque comparava minha negritude e similitude com a do cantor baiano. Mena está no meu imaginário, então, como uma das primeiras pessoas a tocar, sutilmente, através do Gil, na questão racial que me acompanharia a vida inteira.

  




















com a galera, curtindo o show