segunda-feira, outubro 11, 2010

Sem tolerância religiosa não há democracia







(fotos: Dalmo Oliveira)
Governador Maranhão participou de Conferência Estadual
Prefeito Luciano Agra prestigiou Conferência Regional

Por Dalmo Oliveira

Em junho do ano passado eu participei, de maneira bastante ativa, da organização da 2ª Conferência Estadual de Promoção da Igualdade Racial, evento promovido pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Humano (SEDH). O evento foi aberto pelo governador José Maranhão (PMDB), que se confraternizou com todas as pessoas presentes.
Na platéia havia uma representação qualificada e significativa de lideranças ligadas às religiões de matriz africana no estado – leia-se religiosos e adeptos do candomblé, da umbanda e da jurema. Outro político presente ao evento foi o deputado (e padre) Luiz Couto (PT), mostrando o caráter ecumênico do evento. Semanas antes, o prefeito de João Pessoa, Luciano Agra (PSB), esteve na abertura da conferência regional preparatória do evento estadual.
Nas últimas semanas, em decorrência das disputas para o segundo turno das eleições para o governo da Paraíba, começaram a surgir manifestações, provavelmente oriundas de setores de sustentação do candidato peemedebista, acusando o adversário, Ricardo Coutinho, de ligações com "cultuadores do demônio", numa vinculação preconceituosa e equivocada aos religiosos de matriz africana.
Anteriormente, Coutinho foi hostilizado pelos adversários sendo taxado de “ateu”, ou seja, descrente em Deus. Agora a acusação muda e dá ao ex-prefeito de João Pessoa uma espécie de “fé no maligno”.
Religião e política sempre andaram juntas, desde que o mundo é mundo. Por mais que se tente negar, a prática religiosa continua sendo um exercício de poder, às vezes muito semelhante com o que ocorre nos parlamentos e palácios.
Agora mesmo, o arcebispo da Paraíba, Dom Aldo Paggoto, utiliza o youtube para divulgar um manifesto de ataque à candidata petista Dilma Roussef. Nas eleições passadas, o pastor máximo dos católicos paraibanos, foi ao guia eleitoral defender a candidatura do tucano Cássio Cunha Lima.
Maranhão, um reconhecido católico praticante, esposo de uma senhora também muito militante do catolicismo local, não parece ser o tipo de político que se utilizaria do fundamentalismo religioso para atacar seus adversários políticos. Os ataques – muitas vezes anônimos – ao oponente e ex-aliado Ricardo Coutinho, tendo as religiões afrobrasileiras como pano-de-fundo, não devem ter recebido a anuência de Maranhão.
Esse tipo de apelação parece ser mais característica de setores religiosos mais fundamentalistas, como os grupos evangélicos neopentencostais, que estariam mais próximos à candidatura do atual governador.
Numa guerra às cegas, como parece ser a disputa eleitoral deste ano, fica quase impossível aos comandantes-em-chefe das duas facções impedir que seus “soldados” utilizem de armas desleais no campo de batalha ideológico.
Entretanto, as batalhas religiosas dentro da guerra política poderiam ser arrefecidas se os líderes da disputa tivessem investido, desde o início, mais em propostas concretas e objetivas do que em misticismos metafísicos.
O surgimento deste tipo de artifício na campanha eleitoral de 2010 na Paraíba, serve, ao menos, para fortalecer a justificativa de uma demanda antiga dos movimentos sociais em defesa da promoção da igualdade racial: de que precisamos, urgentemente, discutir de forma madura e civilizada a laicidade da vida pública e do Estado paraibano.
 Seja quem for que se consagre o novo governante do Estado no próximo dia 31, é preciso, desde já, que os dois aglomerados políticos em disputa, assumam compromissos visando o fomento de políticas públicas que garantam a livre manifestação religiosa dos afroparaibanos.
Políticas públicas que acabem com os privilégios de religião A ou B nos locais públicos mantidos com os recursos dos cidadãos. Se é permitido a exposição de símbolos cristãos nas repartições públicas, nos tribunais, nas casas legislativas, que se garanta, em pé de igualdade, a exposição da simbologia não-cristã também nesses locais. Ou, como ideal, que se limpe esses locais de qualquer referencial religioso.
A relação das pessoas com o sagrado não pode ser monopólio de uma crença apenas. Antes do cristianismo, antes do judaísmo, antes do espiritismo, e de tantas outras manifestações religiosas na atualidade, a humanidade já se relacionava com as divindades no continente africano, no extremo oriente e na América pré-colombiana. Por isso, a base da democracia será sempre a tolerância.