sábado, novembro 25, 2006
Um pouco mais sobre o rastafarianismo
Hoje em dia está mais fácil assumir nossa negritude. O visual rasta já não causa tanto espanto como há uns dez anos atrás, quando eu deixei meu cabelo crescer pela primeira vez. Foi quando comecei a aprofundar as leituras sobre rastafarianismo estimulado pelas músicas e letras de Bob Marley e Peter Tosh. Minhas tranças (dreadlocks) já batiam no ombro, quando passei num concurso público e resolvi cortá-las para assumir o cargo em Petrolina (PE).
Segundo o Aurélio, o rastafarianismo é uma “Seita religiosa de jamaicanos de origem negra africana que crêem no retorno dos negros à África, usam cabelo rastafári e acreditam que Haïlé Sélassié I (1892-1975), imperador da Etiópia (África) de 1930 a 1974, é o Messias”. Guardado o fundamentalismo religioso, o rastafarianismo acabou se tornando uma das expressões culturais mais importantes da resistência negra na Jamaica, na África e nos países onde a diáspora negra se manifestou mais fortemente, inclusive no Brasil.
Quando morei na Bahia, entre 1995 e 2003, percebi o quanto a cultura rasta é importante para elevação da auto-estima do povo negro brasileiro. Conheci senhores rastafaris orgulhos de suas tranças e crianças crescendo sem que jamais uma lâmina tenha tocado em seus cabelos. Para mim foi uma grata surpresa ao perceber que, ao assumir o Ministério da Cultura da primeira gestão do governo Lula, Gilberto Gil já portava um rasta vistoso. Gil, aliás, foi o primeiro artista brasileiro a divulgar as idéias rastafari no país, ao fazer aquela antológica versão de “No woman, no cry”.
Mas Gil só vai assumir seu rastafarianismo definitivamente em 2002, quando lança o cd/dvd “Kaya n’gandaya”, interpretando de forma magistral 15 das mais importantes e emblemáticas músicas eternizadas por Robert Nesta Marley. Além do tributo estético e musical, Gil escreve um manifesto onde faz uma ligação ideológica entre o rastafarianismo e o cangaço, comparando Marley com Luiz Gonzaga. Num trecho o ministro diz: “Dois mestiços, em todos os sentidos, dois dos meus maiores ídolos (...) Gonzaga: um cangaceiro implícito, idílico; Marley: um rastaman explícito, real”.
E nesses últimos anos o rastaman foi se tornando cada vez mais presente no visual do moderno homem negro brasileiro: Gil, Djavan, Melodia, Milton, Falcão, Garrido. Ser rasta é, antes de tudo, ser negro. Hoje eu já não causo mais tanto espanto à minha mãe, que desistiu de cortar meus dreads enquanto durmo (tal qual Dalila fez com Sansão).
Na rua as pessoas me param para saber como faz para deixar o cabelo assim. Teve cara branco querendo saber se o cabelo dele também ficaria rasta. As crianças querem passar a mão e as cabelereiras perguntam qual é o truque das “trancinhas”. E todos ficam surpresos e descrentes quando eu respondo: “é só deixar crescer sem pentear!”.
Isso mesmo: rastafari é, antes de tudo, atitude. É ter coragem de assumir a negritude, assumir que tem cabelo “ruim” e deixar o “cabelo duro” crescer à vontade. Sem escovas, pentes, massagens ou qualquer outro truque que queira maquiar nossa origem africana. Muita gente pensa que o cabelo rasta é sinônimo de desleixo ou falta de higiene. Eu lavo os meus pelo menos uma vez por semana, com xampu, condicionador etc. Entre o rasta e o hippie há diferenças monumentais.
O cabelo comprido é uma espécie de tributo a Deus (Jah) para mostrar a condição de escravidão a que o negro foi submetido na babilônia. Então o homem não deixará que a lâmina toque sua face até que alcance a liberdade e a babilônia seja totalmente destruída. A metáfora da babilônia é importante para entender a filosofia rasta. A babilônia é o domínio do mal sobre os homens de boa vontade. Para alguns é o capitalismo. O rasta é o guerreiro anti-babilônia, que abomina os modismos, o falso-moralismo, as convenções impostas pelo sistema. Ele busca a natureza, não come carne vermelha nem ingere bebidas alcoólicas e também não usa as drogas químicas.
Hoje o rastafarianismo começa a ser incorporado pelo sistema. Virou moda. Muitos o confundem com mais uma tribo urbana devota da cannabis e curtidora de reggae. É bem mais complexo que isso. O rastaman é o libertário, que reflete seu desprezo às convenções, que nega a autoridade alienante e mostra por suas próprias atitudes e postura o caminho naturalista, igualitário e, essencialmente, humano.
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