segunda-feira, dezembro 04, 2006

Luiz Beltrão estagiou em João Pessoa



por Dalmo Oliveira

Pouca gente sabe, mas o embrião do curso de jornalismo na Paraíba surgiu no Colégio das Lourdinas (antiga Faculdade de Filosofia Nossa Senhora de Lourdes) aqui em João Pessoa. Era o final da década de 50 e o jornalismo paraibano começava a tomar ares de profissionalismo, querendo deixar aquela áurea romântica e literária do jornalismo praticado da metade do século 20 para traz. Era um curso rápido, quase técnico, oferecido essencialmente para uma parcela da intelectualidade local que já se envolvera com a prática jornalística. Pois bem, é nesse cenário que se insere aquele que hoje é um dos maiores nomes do pensamento comunicacional brasileiro, o olindense Luiz Beltrão (1918-1986).
O relato da atuação de Beltrão no ensino de jornalismo na Paraíba nos foi dado pelo jornalista Wills Leal, durante a realização de um seminário realizado semana passada no auditório da reitoria da UFPB, organizado pelo discípulo maior dele no Estado, professor Osvaldo Trigueiro. Além de Leal, Arael Menezes, Altimar Pimentel e Olga falaram de suas experiências como ex-alunos de Luiz Beltrão.
Segundo Wills, Beltrão vinha de ônibus do Recife para dar as aulas de ética e técnica do jornalismo. Quase não usava o quadro negro nem outros artefatos pedagógicos. “Ele falava, falava, falava somente”, lembra o privilegiado e atento aluno. Nos depoimentos de todos, uma constatação: foi Beltrão quem inaugurou uma metodologia pedagógica para o ensino do jornalismo na região. Técnicas de reportagem e entrevista, teoria da comunicação, ética e filosofia faziam partes dessa grade-tentativa do mestre Beltrão.
Ainda pelas memórias de Leal, Luiz Beltrão era um pensador à frente de seu tempo e vislumbrava a crescente modernização das comunicações numa época em que a televisão engatinhava e o rádio e o jornal eram os meios soberanos da comunicação de massa. A prova de sua genialidade está exposta na vasta obra que o autor deixou, tratando de vários aspectos da comunicação e instalando definitivamente a folkcomunicação como teoria inovadora.
O que fica evidente nesse caso, é que as aulas de jornalismo que Beltrão ministrara em João Pessoa, serviram de laboratório para sua atuação no ensino da comunicação, habilitando-o para assumir definitivamente a cátedra da Faculdade Católica de Pernambuco, em Olinda, e, na seqüência, sua atuação no Ciespal (Centro Internacional de Estudos Superiores de Periodismo para América Latina).
A presença de Beltrão em João Pessoa foi responsável também para deflagrar o processo de instalação, posteriormente, do curso de Comunicação Social na UFPB. O legado teórico-metodológico que ele deixou serviu de base para a expansão do ensino superior do jornalismo.
O depoimento dos ex-alunos de Luiz Beltrão acontece dentro de um evento realizado para comemorar os 30 anos do I Encontro de Folclore da Paraíba, que aconteceu na cidade de Pombal (PB), em que o pensador era uma das figuras centrais. O professor Osvaldo Trigueiro ressaltou que o Beltrão participou desse evento não apenas como palestrante, mas contribuindo efetivamente para sua realização e como entusiasta do registro e resgate das tradições populares do interior nordestino, como a Festa do Rosário, que serviu de palco para um documentário filmado durante o evento em Pombal.

Os catimbozeiros da folkcomunicação

A teoria da folkcomunicação tem evoluído constantemente, desde que Beltrão definiu suas bases, comparando os comunicadores com os “catimbozeiros”, e traduzindo-a, em certo momento como o
“[...] processo de atualização, reinterpretação e readaptação dos modos de pensar e agir dessa massa surda às mensagens da imprensa, do rádio, da tv e do cinema, haveria, igualmente, de identificar-se com o processo jornalístico, produzindo efeitos mediante métodos técnicos semelhantes”.

Hoje essa teoria não está mais apenas preocupada em analisar e compreender os fenômenos ocorridos dentro da assim chamada “cultura popular” e das manifestações do nosso folclore. Extrapolou, há muito, os limites desses universos estéticos iniciais para se transformar num suporte teórico-epistemológico inovador de análise da comunicação produzida em condições de subalternidade (a comunicação das “minorias”).
É nesse ponto onde a Folkcomunicação de Beltrão se coaduna com os Estudos Culturais de Homi Bhabha, Nestor Canclini e Stuart Hall. Sua base epistemológica é “refletir sobre o observado”. Quando essa reflexão sai do nível do pensamento e se materializa em texto, inicia-se a produção do folkcomunicólogo, aquele que relata, historiciza, analisa, reflete, registra e escreve sobre situações do cotidiano.
Em condições diaspóricas o comunicador que usa essa ferramenta produz uma reportagem da realidade com um olhar de fora, do outro, do diferente. Na sua cabeça processa-se o embate entre local-global. O local de sua proximidade vivencial e o global das experiências vividas anteriormente (inclusive de sua origem cultural).
Não que a visão seja exclusivista de subalternidade ou de hegemonia cultural. O relato se constrói num entrelugar onde a experiência cultural do observador se confronta com outra realidade cultural (do locus do exílio). Paulo Freire (1983) abordou apropriadamente sobre as estratégias de resistência usadas em situações de invasão cultural:
(...) Ao perceber os elementos culturais estranhos, os modificam, submetendo-os a uma espécie de ‘banho purificador’, do que resulta que aqueles mantêm algo de sua originalidade, sobretudo no formal, e ganham uma nova cor, uma significação nova que o marco cultural invadido lhes impõe.

O que nos interessa de imediato é iniciar uma discussão sobre a apropriação da folkcomunicação sobre os fenômenos sócio-culturais da modernidade, extrapolando o rural e o folclórico, para analisar também as ocorrências de uma modalidade comunicacional urbana e multicultural que não passa, necessariamente, pelos meios de comunicação de massa convencionais, mas se atem aos modelos interacionais de indivíduos e grupos excluídos desse processo midiático padronizador.