quinta-feira, outubro 05, 2006

As linguagens do jornalismo nosso de cada dia

No início de setembro participei de dois eventos acadêmicos importantes. O primeiro deles foi XXI Jornada Nacional de Estudos Lingüísticos, promovida pelo Gelne (Grupo de Estudos Lingüísticos do Nordeste), que aconteceu aqui mesmo em João Pessoa, entre os dias 03 e 06, no campus um da UFPB. O CCHLA estava repleto de estudante e pesquisadores de várias partes do Brasil, apesar de se tratar de um evento de dimensão “regional”.
Mesmo sendo um encontro destinado principalmente para o pessoal de Letras, o Gelne tem-se tornado cada vez mais um espaço destacado para a discussão sobre a pesquisa comunicacional. Um exemplo disso foi a participação de mais dois colegas meus (Francisco Barreto e Patrícia Paixão), que apresentaram papers relacionados às suas respectivas dissertações.
Como historiador que pesquisa o jornalismo contemporâneo, Barreto trouxe uma discussão interessante sobre o papel da mídia como construtora de “realidades”:

[...] É nesse contexto que está mergulhada parte da sociedade em que vivemos: espremidos contra um muro de informações, vozes e imagens com significados prontos, sem construção ou transmissão de conhecimentos; a imposição do fato como um conhecimento acabado sobre o qual não se pode versar.

Já Patrícia apresentou uma análise sobre um livro do festejado cronista Luis Fernando Veríssimo. Num dos trechos ela diz que:

[...] Para a sociedade brasileira, culturalmente machista, é comum se contar historinhas, piadas ou causos, ou escrever cordéis, com situações em que os homens mentem para as esposas, namoradas, companheiras, mães. As crônicas de As Mentiras que os Homens Contam são uma forma mais refinada, sofisticada e leve de abordar o tema, de reproduzir uma idéia em curso para as pessoas, de uma maneira geral. Daí reforça-se a tese de que a compreensão das categorizações e referenciações no humor, na literatura, só é possível e efetiva para os indivíduos que têm conhecimentos de mundo e competências cognitivas similares e partilhadas.

Em universos discursivos diferentes, os trabalhos de Chico e de Patrícia, mostram como o fenômeno da interdisciplinaridade está presente nos espaços acadêmicos como esse proporcionado pela jornada do Gelne. Lingüística, História, Jornalismo se fundem em busca de respostas para as indagações e observações epistemológicas dos pesquisadores.
Para mim, além de uma excelente oportunidade de intercâmbio teórico e metodológico, o evento mostrou, de fato, a importância crescente dos estudos de linguagem como suporte para as pesquisas comunicacionais e das ciências humanas e sociais de um modo geral.
Utilizando conceituações nascidas no campo da Análise Crítica do Discurso (ACD), tenho buscado explicações para os fenômenos de linguagem que assolam o jornalismo. Minha apresentação, ocorrida no início de uma tarde quente de segunda-feira, levou para uma audiência seleta (especialmente Julia Veloso) observações iniciais de minha pesquisa sobre a linguagem utilizada em relises elaborados por colegas da Embrapa.
O jornalismo científico se tornou nos últimos anos meu objeto de pesquisa preferencial. Tento, através das teorias do discurso, compreender minha própria práxis enquanto jornalista encarregado de divulgar as atividades de uma empresa que lida com pesquisa agropecuária.
O artigo que levei ao Gelne foi uma versão aproximada de um outro que apresentei no dia 09/09 ao Núcleo de Pesquisa em Comunicação Científica e Ambiental, no 29º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), ocorrido em Brasília. Minha “tese” parte das conceituações teóricas de um velho conhecido dos lingüistas: o russo Mikhail Bakhtin.
O artigo explora o conceito de enunciação monológica, utilizado por Bakhtin no seu estudo clássico sobre a Filosofia da Linguagem. Nele, tento unir a Teoria da Enunciação à Teoria Social do Discurso, percorrendo uma trilha metodológica para analisar processos de formação discursiva do discurso científico numa modalidade enunciativa consagrada socialmente – o jornalismo.
Para Bakhtin, “Toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é uma resposta a alguma coisa e é construída como tal”. A partir disso, imagino que as matérias publicadas na imprensa diariamente, de uma forma ou de outra, podem ser consideradas “respostas discursivas” de determinados atores sociais ou entidades.
Também trabalho com o conceito de enunciação monológica para explicar como os enunciados jornalísticos produzidos pelas assessorias de imprensa tentam forjar um sentido único aos seus discursos publicados pela mídia.
No artigo estamos propondo a idéia de “discurso-usuário” como o resultado da re-textualização de um discurso que faz uso de determinado texto-fonte. No caso do jornalismo científico, o texto-fonte vem do campo da ciência. O discurso elaborado pelos jornalistas torna-se, assim, usuário da discursividade científica. Noutros casos, o jornalismo é usuário de outros discursos-fonte, como o econômico, o político, o religioso etc.
O papel do jornalismo (como parte da mídia e da indústria cultural) na construção de realidades obedece, assim, inequivocamente, uma vinculação com a ideologia, transformando as discursividades específicas em discursividade institucionalizada.