Capa original do romance de Orwell |
O candidato do PSB ao governo da Paraíba, Ricardo Coutinho, tem produzido um rico material discursivo para a análise dos teóricos da comunicação e da linguagem. Sua candidatura é, de longe, a mais profícua na criação de neologismos semânticos e aforismos no campo político. Nas últimas semanas, o candidato girassol investiu em mais uma analogia para mostrar sua disposição futurista.
“Vou quebrar o retrovisor”, costuma sentenciar o socialista, prometendo aos seus possíveis eleitores que, caso eleito, não vai olhar para trás, para as coisas “mal feitas” pelos seus antecessores.
Espelhos retrovisores foram adotados em automóveis para aumentar o controle dos motoristas sobre a dirigibilidade. Colocados em locais estratégicos dos carros, os retrovisores puderam ajudar as pessoas a evitar acidentes nos trânsitos de ruas e estradas.
Quando, por algum motivo, perdemos a retrovisibilidade, dirigir passa a exigir mais atenção. Sem retrovisores passamos a ficar mais vulneráveis a uma dose maior imprevisibilidades e riscos.
Claro que a analogia com o aparato vitráceo dos automóveis não é muito pertinente para o campo político ou social. Primeiro porque, por mais que se queira, é impossível apagar o passado, simplesmente “quebrando o retrovisor”.
Quando Ricardo diz que não precisa estar mirando o passado ele nega a própria deontologia da História, o que pode ser um erro gravíssimo para um agente político. Mesmo para aqueles que supervalorizam o futuro e a modernidade.
Do ponto de vista sociológico, renegar a História tem sido uma estratégia vinculada aos ditadores de vários matizes. Na extinta União Soviética comunista, Joseph Stálin se notabilizou pela manipulação da História, apagando, literalmente, desafetos políticos de um passado recente.
No clássico da literatura libertária, “1984”, o britânico George Orwell criou o personagem Winston, que na trama trabalha no “Ministério da Verdade”, atualizando notícias e informações para acomodar, constantemente, as posições dos países-continentes em guerras infindáveis.
Talvez um governo do candidato dos girassóis não fosse tão totalitarista como possamos temer que venha ser, mas há indícios claros no discurso do socialista de que a nomenklatura que o cerca está predisposta a engendrar estratégias de governança pouco convencionais e arriscadas.
O discurso da aposentadoria do retrovisor também pode ser útil para uma certa amnésia ideológica oportunista. Pois ao apagar o passado, Coutinho pode não estar apenas querendo dizer que pretende “esquecer” dos problemas antigos que teve e tem com os maranhistas, petistas e outros istas de fora do seu campo coligativo, mas, principalmente, que precisa apagar da memória coletiva paraibana sua aliança recente com as lideranças da direita, representada presentemente, pelo ex-governador Cássio Cunha Lima e os líderes do DEM.
Assim como na distopia de Orwell, o discurso do candidato socialista investe na idéia do duplipensamento, cujo termo é uma crítica ao tratamento da mídia e dos governos à realidade (http://www.duplipensar.net/george-orwell/duplipensar.html). Desta forma, guerra é paz; liberdade é escravidão; ignorância é força.
De fato, quando se propõe o esquecimento do passado estamos, na verdade, dizendo que devemos ignorar nossa história. Foi o que aconteceu com o chamado “fim do comunismo”, simbolizado pela derrubada do muro de Berlim, que alguns teóricos passaram a chamar de “fim da história”.
Apagar o passado, destruindo os “retrovisores”, parece ser apenas mais uma estratégia discursiva criada para um momento conjuntural específico, em que parece ser cômodo ao enunciador se desvencilhar de acontecimentos desfavoráveis ocorridos no tempo pretérito.