Juliana Cézar Nunes








A jornalista Juliana Nunes, repórter da Rádio Nacional (EBC), é hoje uma das principais jornalistas especializadas na cobertura da temática étnicorracial na Capital Federal. Recentemente ela viajou, a convite do governo  norte-americano, para cobrir uma missão de ativistas vinculados ao Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial da Seppir (CONAPIR). A seguir, Juliana nos conta um pouco como foi essa experiência.Com graduação em Comunicação Social e especialização em Bioética pela Universidade de Brasília (UnB), ela trabalha na Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e faz parte da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Distrito Federal (Cojira-DF). Prêmio Vladimir Herzog de Jornalismo (2008) pelo webdocumentário Nação Palmares (Agência Brasil) e Prêmio Tim Lopes de Jornalismo (2006 e 2008) pelas séries Confissões de Família (Correio Braziliense) e Esperança na Amazônia (Rádio Nacional da Amazônia).
////////////////////////////

O que te chamou mais atenção do que você viu no encontro de civilizações proporcionado por esse evento, do ponto de vista dos movimentos negros brasileiro e estadunidense?

A programação da qual eu participei juntamente com 12 jornalistas brasileiros - de mídias negras, públicas e privadas - proporcionou poucas, mas importantes oportunidades de contato com o movimento social negro norte-americano. Conhecemos a Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor, em Washington. Fundada em 1909, ela teve um papel importante no movimento pelos direitos civis e segue na
defesa da população negra nos EUA. Os ativistas têm se dedicado à defesa dos avanços conquistados na década de 60, uma vez que uma série de ações na Suprema Corte questionam as universidades negras, as cotas e até mesmo proibições relacionadas à discriminação no mercado de
trabalho.

O desemprego, aliás, é visivelmente umas das questões que mais preocupam o movimento negro norte-americano, tendo em vista um elevado número de negros e negras desempregados após o estouro da bolha
imobiliária e a consequente crise econômica. A situação da juventude e do sistema carcerário é outro tema que mobiliza as organizações. Estive em uma rádio comunitária em Atlanta - a única da cidade - que tem se caracterizado por abrir espaço para comunicadores jovens negros. Por meio de programas de música afrolatina e rap, eles dialogam com os jovens da cidade-natal de Martin Luther King. Atlanta foi sede das Olimpíadas de 1996, que promoveram uma verdadeira diáspora da população negra para a periferia, longe dos principais eventos esportivos e novas áreas de especulação imobiliária.

A situação da comunidade negra em Atlanta, Washington e Miami surpreendeu vários representantes de movimentos sociais brasileiros que estiveram nestas cidades para discutir o plano de ação Brasil-EUA - roteiro diferente do realizado pelos jornalistas. Além da grave realidade socioeconômica da população negra norte-americana, eles perceberam as fragilidades do movimento social negro. Os ativistas norte-americanos encontram dificuldade de pautar políticas públicas na área de igualdade racial diante da vigilância que o governo Obama sofre para adotar medidas universais.

Apesar dessas contradições, acredito que o movimento social negro brasileiro têm a expectativa de intensificar o intercâmbio com as organizações norte-americanas, especialmente no campo da educação,
tendo em vista a experiência das universidades negras, por exemplo. Do lado norte-americano, percebi um intereresse muito significativo em conhecer a experiência brasileira na área de saúde da população negra.

Que tipo de articulação tem mais chance de prosperar entre as entidades negras dos dois países?

Acredito que articulações na área de educação, saúde, segurança pública, direitos civis, empreendedorismo, cultura e esporte - há um enorme interesse dos movimentos sociais e empresas de afroamericanos em estabelecer parcerias visando a Copa e as Olimpíadas no Brasil. Como a comunicação não foi um eixo temático do encontro, teremos que trabalhar para desenvolver parcerias nessa área. Existe espaço.

Há uma diferença cultural (e sociológica) nítida entre os grandes ícones do movimento de direitos civis estadunidenses, como Martin Luther King, e as referências brasileiras, como João Cândido e Zumbi dos Palmares. O que deu pra perceber dessas diferenças nesse encontro? Vocês estiveram com a filha de King. O que ela disse de interessante??

De fato, os ícones negros dos Estados Unidos estão muito ligados ao movimento pelos direitos civis. Existem esforços para resgatar a memória de abolicionistas negros, como Frederick Douglas, mas são iniciativas ainda com pouca visibilidade fora dos EUA. Tanto Douglas como Luther King tinham forte apelo e reconhecimento no campo intelectual, perfil diferente da trajetória de João Cândido e Zumbi. De certa forma, essa diferença parece marcar as prioridades do movimento social negro americano, que priorizou, por exemplo, a criação de universidades para estudantes negros e as cotas. No encontro com a filha de MLK, Berenice, ela fez um relato sobre o papel da imprensa negra no movimento dos direitos civis e disse ter interesse em saber como o movimento influenciou o ativismo negro no Brasil. Berenice demonstrou interesse em estabelecer parcerias com instituições brasileiras no campo da educação e da comunicação. Ela evita fazer avaliações sobre o governo Obama, mas deixa nítida sua expectativa com o governo do primeiro presidente negro.

Como foi o desempenho dos ativistas brasileiros durante a missão nos EUA? Você colheu deles alguma frustração com a missão ou, por outro lado, algo que os tenha surpreendido positivamente??

Acho que a participação dos ativistas brasileiros no programa de visitas e nas reuniões do plano de ação foi muito positiva. Eles conseguiram apresentar os avanços e desafios das políticas de igualdade racial e da população negra no Brasil. Não acompanhei os ativistas brasileiros nas visitas que eles fizeram em Miami, por exemplo, mas pude perceber que eles estabeceram contatos importantes com os ativistas, pesquisadores e gestores norte-americanos e afrolatinos.

Apesar de toda a admiração com a história das lideranças negras nos Estados Unidos, os ativistas brasileiros foram capazes também de identificar as fragilidades do movimento social negro norte-americano na atualidade e a difícil situação da população negra no país governado por Obama.

Os EUA tem uma classe média negra significativa e uma tradição importante de doação de recursos financeiros para universidades, hospitais e outros projetos que voltados para a população afrodescendente. Mas a discriminação é estrutural, como o Brasil, exigindo medidas ainda mais afirmativas.

Portanto, em que pese avanços de cada país em setores diferentes, por meio de processos históricos diversos, temos desafios comuns e a troca de experiência entre a sociedade civil e os governos é fundamental neste momento.