Por Dalmo Oliveira
Dentre todas as estratégias mobilizadas numa disputa eleitoral, certamente, a estratégia discursiva pode ser considerada a mais importante. Mesmo porque, desde os primórdios, modalidades do discurso, como oratória, retórica e persuasão sempre foram a base da política, como agir social.
Na disputa eleitoral desse ano, o candidato a governador do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Ricardo Coutinho, se destaca por apresentar um discurso diferenciado dos demais concorrentes. Além de impor uma fala mais rebuscada – em alguns momentos hermética e não-usual -, Coutinho insere na discursividade da campanha eleitoral 2010 neologismos referenciais.
O exemplo mais evidente da estratégia discursiva do candidato socialista é o termo “republicanização”, utilizado com abundância em suas falas públicas, especialmente na mídia. Talvez querendo dizer que defende o fortalecimento do modelo e valores republicanos de gestão pública, o candidato utiliza o termo na construção de uma discursividade política que se ancora no paradigma republicano como única alternativa de redenção do modelo político-partidário ora vigente.
Nesse contexto, “republicanizar” pode significar dar à gestão pública do Estado paraibano atributos desejáveis que não estariam na perspectiva político-ideológica dos demais concorrentes. Como se a Paraíba estivesse ainda fora da “República brasileira”, ou como se ainda vivesse nos tempos da República Velha (1889-1930), que também foi chamada de "Primeira República", "República dos Bacharéis" ou "República Maçônica".
A discursividade republicana passou a ser reutilizada pelo mundo político brasileiro a partir do governo do ex-presidente FHC. Pode ser considerado, desta forma, parte de uma estratégia discursiva neoliberal. O fato de ter sido FHC o primeiro presidente eleito de forma direta (depois do impeachment de Fernando Collor) motivou o staff tucano a tentar convencer a opinião pública nacional de que ali surgia, finalmente, uma gestão com todas as características republicanas.
A herança iluminista
Dentro do arcabouço discursivo-ideológico disseminado pelo candidato Ricardo Coutinho, uma outra palavrinha inovadora é aquela que diz que sua proposta de governo é oriunda de uma filosofia “iluminista”, em referência ao Iluminismo, que os franceses preferem chamar de Siècle des Lumières, e que, historicamente, teria se esgotado já nas primeiras décadas do século 17, quando Napoleão Bonaparte começou a aterrorizar a Europa.
Conceito que tornou famoso o filósofo Immanuel Kant, cativou seguidores que defendiam a tese de que os seres humanos podem tornar este mundo um mundo melhor, através de um exercício permanente de introspecção, do fomento das capacidades humanas e do engajamento sócio-político. Os iluministas são aqueles contrários a qualquer tipo de tutelamento. Seu lema-síntese seria: “Tem coragem para fazer uso da tua própria razão!".
Nesse sentido, o ex-prefeito da capital da Paraíba poderia ser considerado um neo-iluminista, não fosse sua forte propensão em substituir uma maneira de tutela por outra, talvez um pouco mais “republicana”, mas tutela assim mesmo. O discurso ricardista mostra-se, então, essencialmente contraditório e meramente retórico, para não dizer falacioso.
Talvez a formação acadêmica mais humanista, a longa militância sindical e política de perfil esquerdista (socialista) e o convívio dentro de um coletivo ativista repleto de pretensas novas lideranças de parte da intelligentzia tabajara, levaram Ricardo a adotar o discurso do iluminismo tardio e da “republicanização” da vida paraibana.
Discurso que pode funcionar perfeitamente nos ambientes academicistas e nas rodas de intelectualóides “orgânicos” onde Coutinho recebe relativo apoio. Mas, como diz Norman Fairclough, “(...) o discurso é moldado e restringido pela estrutura social no sentido mais amplo e em todos os níveis; pela classe e outras relações sociais, pelas relações específicas em instituições particulares(...)”.
A performance discursiva do candidato também pode ser entendida pelo seguinte pensamento de Foucault: “O discurso é não apenas o que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas é a coisa pela qual a luta existe, o discurso é o poder a ser tomado”.