Durante a 1ª Conferência Nacional de Comunicação, ocorrida em Brasília entre os dias 14 e 17 de dezembro, o jornalista Dalmo Oliveira, entrevistou o advogado argentino, Damian Miguel Loreti, que participou do evento na condição de Observador Internacional. Loreti é um dos principais responsáveis, no âmbito acadêmico, da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, recentemente aprovada na Argentina.
Advogado pela Universidade de Buenos Aires, Doutor em Ciências da Informação pela Universidade Complutense de Madri. Loreti é titular da Cátedra UNESCO Liberdade de Expressão da Faculdade de Jornalismo e Comunicação Social da Universidade Nacional de La Plata. É hoje um dos principais especialistas em Direito Internacional Comparado. Vice-Diretor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires e titular da Cátedra de Direito à Informação da Carreira de Ciências da Comunicação dessa Faculdade, ele é também assessor da Federação Argentina de Trabalhadores de Imprensa e da Associação Mundial de Rádios Comunitária para América Latina e Caribe.
Para o jurista, é preciso compreender os meios de comunicação a partir das premissas do Convênio de Proteção da Diversidade Cultural da UNESCO. Veja abaixo os principais trechos da entrevista, realizada no auditório principal do Centro de Convenções Ulisses Guimarães, enquanto a plenária iniciava as discussões do segundo dia de conferência.
Dalmo – O Sr. poderia fazer um breve histórico sobre o processo que culminou com a criação da nova lei?
Loreti – Podemos começar pelo ano de 1985, quando o então presidente Raúl Alfonsín iniciou o processo que deu origem ao Conselho da Democracia, com um projeto de lei sobre a radiodifusão nacional. Em 1996 surgiram cerca de 70 projetos relacionados à questão da democratização das comunicações. Depois, em 2004, ocorre um movimento de coalização para as comunicações democráticas, com a participação de cerca de 300 entidades não-governamentais, entre sindicatos, movimento pelos direitos humanos, acadêmicos, movimento comunitário, produtores independentes, cooperativas e pequenos empresários do setor. Desta coalização foram consensuados 21 pontos norteadores. Em 2008 ocorreu uma importante reunião com diversas autoridades e representantes de diversos setores interessados no assunto, na Universidade de Buenos Aires, de onde saiu um esboço mais definitivo do projeto que deu origem à nova legislação. Logo depois, esse projeto recebeu emendas de diversas entidades e instituições governamentais e não-governamentais. Em março de 2009 a proposta é apresentada definitivamente para a análise da sociedade argentina, o que foi feito através da realização de 28 fóruns públicos, de onde saíram mais de 100 adendos. Quase 50% do projeto original foi adendado nestas circunstâncias. Em 27 de agosto o projeto de lei foi remetido à Câmara Federal e em seguida ao Congresso Nacional, que durante duas semanas promoveu audiências públicas, onde novas modificações ocorreram. Os senadores também avaliaram o projeto em várias comissões, ouvindo experts e outros setores da sociedade.
Dalmo – E como se determinou a fiscalização da nova lei?
Loreti – O Congresso criou a Autoridade de Aplicação da nova lei, composta de sete membros, sendo dois do Poder Executivo, três parlamentares e mais dois do Conselho Federal de Comunicação.
Dalmo – O Sr. utilizou uma série de normas internacionais para compor a proposição que deu origem à atual lei argentina de comunicações. Quais foram os textos basilares desse seu trabalho?
Loreti – Em primeiro lugar, a Directiva de 2007 do Parlamento Europeu que trata da comunicação audiovisual. As leis de comunicação do Canadá e dos Estados Unidos. A Declaração dos Direitos Humanos. Referências da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Sentenças proferidas pela Corte Interamericana no caso Rios versus Venezuela, de março de 2009. Relatórios de 2001 e 2007 sobre liberdade de expressão, radiodifusão e pluralismo e a Convenção sobre Diversidade Cultural da Unesco.
Dalmo – Qual a diferença essencial entre a lei antiga e a nova?
Loreti – A antiga era uma lei autoritária, proibitiva e concentradora, que entendia a comunicação apenas como uma atividade comercial e não como um direito humano.
Dalmo – E como deve funcionar daqui para a frente?
Loreti – O principal é garantir a apropriação de ferramentas novas. O direito de resposta é um direito civil, que está fora da nova lei. Centramos foco na Declaração de San José, da Costa Rica, que está mais direcionada à defesa dos interesses públicos, coibindo ações de “real malícia” contra o interesse público popular, através de conselhos públicos e nos conselhos consultivos dos meios públicos.
Dalmo – Dois intelectuais da comunicação têm feito críticas contundentes ao atual modelo comunicacional midiático. O primeiro é o francês Dominique Wolton, que diz ser preciso “salvar a comunicação”. O outro é brasileiro, foi meu professor na graduação, chama-se José Luiz Braga e escreveu um livro recentemente chamado “A sociedade enfrenta sua mídia”. Como o sr. Avaliaria essas críticas no atual momento da comunicação na Argentina?
Loreti – É importante perceber a criação e o surgimento de novos meios mais ligados à sociedade civil organizada, proporcionando um espaço de comunicação mais integrado. Sobre a questão das respostas à mídia, algo curioso ocorreu na Argentina com a autorização de que os canais públicos à cabo possam transmitir o futebol. Os patrocinadores das transmissões na TV convencional mantiveram seus contratos com essas empresas e não migraram para as novas mídias. Isso quebrou um paradigma antigo em que imaginávamos que os anunciantes “compravam audiência”. Na verdade o que se viu foi um compromisso maior de dois grandes setores capitalistas que fizeram alianças estratégicas de auto-sustentação.
Dalmo – Gracías!