sexta-feira, janeiro 20, 2006

Os seres e os anjos no ciberespaço: uma discussão complexa

Os seres e os anjos no ciberespaço: uma discussão complexa[1]
Dalmo Oliveira da Silva[2]


“O espaço do saber é utópico, mas trata-se de uma utopia possível”
Pierre Lévy



O saber é a nova droga milagrosa. Um narcótico altamente vicejante! E a propósito do saber, ontem tivemos uma aula boa sobre as novas formas de processamento do saber. Nosso interlocutor era o professor André Neves, colaborador do Programa de Pós-graduação do mestrado em comunicação da UFPE. Designer, biólogo, informata, Neves é um espécime raro, de uma geração fértil de novos pensadores que operam diversas interfaces, para corroborar a viabilidade da teoria da complexidade.
Especialista em inteligência artificial, nosso jovem professor acompanha as idéias do ciberespaço lévyiniano, ao considerar três grandes dimensões de representação: o plano metafísico, a materialidade real e o universo digital. O guru Pierre Lévy, poderia tê-lo classificado como mais um dos milhares daqueles nerds que atuam como “intelectual coletivo no interior de um universo informacional” (Lévy, 1998. p.165)
[3]. Ele participou da escritura de um livro sem qualquer referencial teórico ou citação chamado “Onde as ruas não têm nome”, em homenagem à música da banda irlandesa U2, Where the streets have no name.
Em mais de uma hora de conversa acadêmica, exploramos temas atuais sobre informática, I.A, academia, aprendizagem e muito papo-cabeça sobre as interfaces infindáveis da comunicação. Vigotski nos ensinaria, por exemplo, que o processo de aprendizagem é tão diferenciado entre os aprendizes, quanto suas digitais. Ou seja, cada um tem um modo diferente de fixar saberes. Durante os processos de difusão dos saberes, como na sala de aula, por exemplo, cada aluno se atem a um aspecto particular da informação enviada pelos professores. Como se possuíssemos uma espécie de dial perceptivo, programado para algumas poucas rádios (emissoras do ensino). “Na Terra, o principal instrumento de conhecimento é o relato”, ressalta Lévy (1998, p.160). De uma certa forma, todo conhecimento que adquirimos nos chegou através de breves ou extensos relatórios. Reportagens factuais ou enunciados complexos.
Ainda nessa linha, o professor diz que o processo de aprendizagem requer a efetiva viabilidade das “falas coletivas”. Nessa, perspectiva, a construção do conhecimento (e talvez do real), exija uma epistemologia pluralista, democrática e intertextual. Mesmo que as novas maneiras de ensino e aprendizagem se tornem cada vez mais mediadas por computadores.
Neves está interessado no modo como os computadores acumulam, processam e interpretam informações. Ele citou um caso curioso de pesquisadores que usam as salas de chats para testar softwares que possam “trocar idéia” com qualquer internauta mais incauto. Ele está analisando as respostas que a máquina monta. A capacidade de raciocínio digital dos robôs é realmente espantosa. Numa das conversas, uma internauta, usando o avatar “Ana”, puxa um papo com a máquina questionando sobre a impossibilidade dela tornar-se humana, a menos que adquirisse uma “alma”. A máquina responde que não sente necessidade de humanização e que se sente confortável na sua imaterialidade.


Um papo com os corpos celestes

O professor recorre a uma outra alegoria inusitada: imagine o encontro de anjos (corpos celestiais), humanos comuns e cientistas (de preferência, os físicos). O primeiro, certamente, explicaria determinado objeto com a discursividade mística, metafísica, sobrenatural. O segundo, nas limitações de sua materialidade, faria uma reportagem factual. E o nobilíssimo cientista, trataria de descrever a constituição do referido objeto, explicando os fenômenos que viabilizam sua existência.
É dessa interdisciplinaridade que falávamos noutro momento da aula especial. Da possibilidade de interação dos três elementos: Deus, homem e saber. E Neves não cansa de buscar uma solução cibernética para derrubar a barreira da incomunicabilidade entre esses três mundos. Uma superfície planificadora de uma discursividade ancestralmente intertextual que precisa tornar-se intratextual, auto-explicativa por natureza. Eis a utopia tecnológica cibernética da contemporaneidade pós-gateseriana.
Sua primeira tentativa é um protótipo de interface para golfinhos, aqueles peixões super-inteligentes, eternizado no Flipper, da série televisiva. E já que tocamos no assunto cinema, vários filmes de science fiction foram lembrados: Blade Runner, A.I, O Homem bicentenário, entre outros.
Agora vamos dar uma acelerada no tempo e, portanto, no desenvolvimento científico e tecnológico. A racionalização informática, com o uso das máquinas em todas as etapas e locais da produção, libera os seres biológicos para a simples tarefa da reflexão intelectual. Usemos o exemplo da aula: os cientistas que estiveram por séculos incumbidos de dar respostas para soluções sobre os modos de produção de determina cultura agrícola (condições edafo-climáticas, manejos diversos, condições do solo etc), passariam essa tarefa para a informática e se concentrariam apenas em problemas éticos como “precisamos plantar trigo na região?”.
A informática, para Neves, também ainda poderá apresentar soluções para a tal incomunicabilidade entre os universos paralelos: seriam interfaces de informática que viabilize a comunicação efetiva entre os seres biológicos (animais e vegetais), para discutirem de forma democrática um modelo de exploração do planeta. “(...) Continua tratando-se de aproximar o humano da divindade (e que outro objetivo conferir a uma arte que valha a pena?), mas, desta vez, que só deve sua luz a pensamentos e criações daqui de baixo. O que foi teológico torna-se tecnológico” (Lévy, 1998; p.83). Parece meio ficcional, utópico, mas é uma bela ficção.
Bem, no mundo da comunicação tradicional, as pesquisa estão “avançadas”: os pesquisadores trabalham com três grandes categorias de manejo da informação no ciberespaço. A primeira delas são as dos chamados chatterbots, onde o usuário pode “bater um papo” com o programa, como se teclasse com seu colega da escola. Já os infobots, são aqueles programas já famosos de busca de informação na rede, cada vez mais bem informada, literalmente. E por fim, a grande sensação da temporada, são os newsbots, aqueles programas que conseguem capturar notícias em qualquer ponto da rede e montar um jornal especial para o usuário. Fico imaginando o cara defronte pro computador, digitando numa janelinha qualquer a palavra “futebol” e o newsbot elencando TUDO que tiver no ciberespaço naquele dia sobre o esporte dos bretões... maravilha!
Com o passar do tempo esse poderá se tornar um hábito tão comum quanto apanhar o velho e bom newspaper na banca da esquina. É um cenário ideal para experiência “vivida” por Winston e Julia no inesquecível e plagiante “1984”, do inglês George Orwell. Numa sociedade ultrasuperhipermonitorada, as notícias da “internet” (arquivos da história gerenciados pela equipe de propaganda do Big Brother) eram constantemente retextualizadas. E esse será o papel dos nossos amigáveis newsbots, reeeditar tudo que cair na rede em forma de jornalismo.

Alugando inteligências

Por fim, falou-se muito sobre o homem assujeitado pelo capitalismo, um sistema baseado meramente na troca mecânica de “bens”. De quem foi obrigado a vender sua criatividade, sua experiência, sua auto-estima para determinada instituição, a exemplo do que ocorreu com o próprio Neves, que antes de buscar o refúgio burocrático da Academia, projetou roupas para uma grande loja de modas brasileira. Ele relata a angústia que teve quando recebeu uma determinação de cima (do capital) de que a cor da moda na próxima temporada seria o azul Royal, por conta do estoque fabuloso de tecidos nesse tom armazenados nos galpões da empresa.
Cada vez mais os elementos da nossa frágil realidade sofrem a interferência sistêmica da racionalidade mercantil. Na moda, nas artes, no jornalismo. Se um profissional do designe pode decidir a próxima tendência, o que podem fazer os profissionais da mídia? Com que tipos de “azuis royales” teremos que lidar para compor a próxima matéria. Qual é a cor (discursividade) do próximo “fato jornalístico”?? Quais os tons produzidos pelos jornalistas, designers do cotidiano???
Respostas para a próxima aula.
[1] Caso queira publicar este, peça uma cópia do arquivo em Word.
[2] Jornalista da Embrapa, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPE e diretor do Sindicato dos Jornalistas da Paraíba.
[3] LÉVY, Pierre. L’intelligence collective. Pour une anthropologie du ciberspace. Éditions La Découverte, Paris, 1994. Trata-se de um dos textos mais importantes sobre cibercultura, onde o filósofo francês inaugura as bases fundacionais do conceito de “inteligência coletiva” e “ciberespaço”.

3 comentários:

Anônimo disse...

Olá, dalmo...

Gostei do espaço... quando puder vou dar minhas penadas por aqui...

E aproveitando, logo de cara, num gostei muito da idéia do Levy não... essa coisa de "utopia possível" fica com um cheiro de demonstrar eficiência, eficácia, ou seja lá que porra for...

Aliás isso me lembra a propaganda dos anarquistas prá dizer que a Revolução espanhola deu certo: A produtividade aumentou !!! Ou seja o tal do custo HH reduziu... ou seja, parece que só assim se determina que se chegou a uma utopia possível...

valeu cara... vida longa a esse blog !!!

um abraço,

cb

Anônimo disse...

faladalmo, estava ouvindo Antonio Nobrega em seu lunário perpétuo quando tu apreceu em minha tela com o convite pra visitar teu blog. Cara tocou na alma, na calma e na alegia. Gostei do primeiro artigo. De luxo, claro que um luxo utópico. Paralelo a Levy lembrei de Mattelart em sua história da utopia planetária (Bizâncio, Lisboa,2000), ele fala de uma utopia ativa. vou te mandar um artiguindo sobre banalidade da informação ambiental. acho que dará sequência a essa tua primeira imagem blogana. beijão. belo.

Dalmo Oliveira Silva disse...

Aí Baqueiro,
Peguei uma palestra do Levy aí em Salvador e o bicho é lunático mesmo. Mas náo deixa de ser uma "boa" utopia.

Belo,

Vou dar uma lida de te digo depois. Quero ver o livro do Mattelart depois...

Edinha,

A metáfora dos anjos é muito boa, independente da cor celestial.

Beijos.