Audiência ouviu sugestões de diversos setores
por Dalmo Oliveira
As duas principais entidades nacionais agregadoras de empresas jornalísticas, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Emissoras de Radio e Televisão (Abert) não enviaram representantes à segunda rodada de audiências públicas promovida pela Comissão de Diretrizes de Jornalismo do MEC, realizada nesta sexta-feira, 24, na cidade do Recife (PE). Mesmo com justificações enviadas no dia anterior aos organizadores do evento, a ausência da representação empresarial foi encarada por alguns participantes da audiência como boicote.
“Espero que essa ausência não signifique que essas entidades sejam contra a formação superior, já que são contra a obrigatoriedade do diploma. Acho um desrespeito ao trabalho que esse grupo voluntário está desenvolvendo no sentido de qualificar o ensino de jornalismo”, disse Sérgio Murillo, presidente da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj).
O professor Edgar Rebouças (UFPE) também estranhou a ausência do empresariado, exatamente nesta segunda audiência, cuja discussão estava centrada na questão do mercado de jornalismo no Brasil. Foi de Rebouças também a proposta para que o MEC se inclua no rol de ministérios envolvidos nas discussões por ocasião da primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), agendada para os dias 1, 2 e 3 de dezembro em Brasília.
Mesmo sem contar com a presença dos empresários do jornalismo, a audiência, realizada num anfiteatro da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), recebeu a colaboração de diversos setores interessados na reforma do currículo dos cursos de jornalismo. Além de profissionais e professores de Pernambuco, o evento contou com a participação de delegações da Paraíba e de Alagoas.
PARAÍBA REPRESENTADA
Dalmo Oliveira e Fabiana Veloso, ex-diretores do Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Paraíba, participaram da audiência na condição de coordenadores da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (ABRAÇO-PB). Os jornalistas paraibanos destacaram a preocupação de que o novo currículo não transforme a formação de jornalistas em “profissionais multimídias”.
“Nosso maior cuidado é de que não ocorra um esvaziamento deontológico da profissão de jornalista em favorecimento de um currículo que prepare tão somente trabalhadores multimídias, entendendo que as mídias são simplesmente as plataformas para a prática do jornalismo e não a razão central desta prática”, disse Oliveira aos membros da comissão de notáveis nomeada pelo MEC.
Já Fabiana fez uma fala em defesa da manutenção de disciplinas que tratem da ética jornalística. Ela também pediu atenção especial para o aperfeiçoamento do ensino de técnicas e teorias ligadas à produção de imagem, especialmente no que diz respeito ao fotojornalismo.
“Na Paraíba há uma invasão dos radialistas sem formação alguma no mercado para jornalismo, com comentários anti-éticos, como se fossem jornalistas. São situações que nos envergonham cotidianamente”, informou Veloso à platéia. Ela também noticiou os eventos preparatórios na Paraíba para a CONFECOM, sob a coordenação do Conselho Regional de Psicologia, em parceria com diversas entidades não-governamentais do estado.
A atual diretoria do Sindicato dos Jornalistas do Estado da Paraíba não enviou representantes ao evento.
ALTERNATIVAS DE MERCADO
Com o vácuo deixado pelo boicote dos empresários, a audiência teve mais tempo para discutir alternativas de mercado para o exercício da profissão. Carlos Henrique Carvalho, secretário-executivo da Associação Brasileira das Agências de Comunicação (ABRACOM), por exemplo, revelou que as 310 empresas associadas empregam hoje cerca de 13 mil profissionais de comunicação em todo Brasil, sendo que destes, mais de 60% são jornalistas.
Já Cláudio Magalhães, da Associação Brasileira de Tvs Universitárias (ABTU), fez uma fala a respeito do mercado de comunicação pública, especialmente no universo das emissoras de televisão das universidades, que hoje são 44 em todo país. “Essas emissoras produzem atualmente 240 horas de programação inédita a cada semana. O Brasil é o único país onde ocorre uma grave discrepância na relação entre os produtores e veiculadores de conteúdos para a TV. Na maioria dos países, uma parte das empresas produz e a emissoras se responsabilizam apenas pela veiculação. No Brasil as emissoras fazem as duas coisas. Se nós conseguíssemos desvincular a produção da veiculação, o mercado para jornalistas iria crescer significativamente”, defende Magalhães.
FENAJ DEFENDE CURSO COM MAIOR CARGA HORÁRIA
O presidente da Fenaj, Sergio Murilo, entregou à comissão um documento com as propostas da federação e dos sindicatos de jornalistas. Ele ressaltou que a entidade defende a consolidação de cursos superiores de jornalismo sem que haja divórcio com a grande área da Comunicação Social.
A Fenaj defende a duração mínima de quatro anos para a formação de jornalistas nas universidades, com cursos de duração mínima de 2.700 horas/aula. O sindicalista defendeu inclusive que essa carga horária possa aumentar para 3.200 horas/aula. Uma proposta semelhante foi apresentada pelo presidente do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco, Ayrton Barbosa Maciel Júnior, que defende o acréscimo de mais um ano à formação dos jornalistas, onde o acadêmico de jornalismo possa fazer uma espécie de especialização em áreas que pretende atuar, como economia, ambiente, ciências, esporte etc.
Murilo falou também da sugestão que está sendo ventilada para que os jornalistas possam ter dupla diplomação. Para ele não há problemas que um médico, um advogado ou historiador possa ingressar no curso de jornalismo. “O que queremos é uma medida de mão dupla, onde também haja facilidades para que o jornalista formado também possa ingressar noutros cursos superiores para dominar melhor determinados assuntos de interesse público”, argumenta.
Ele reforçou a tese de que a desregulamentação da profissão e a flexibilização dos currículos de jornalismo podem representar um desastre à organização trabalhista da profissão e uma ameaça real ao direito da sociedade em receber informações apuradas com um mínimo de critério técnico/científico.
A Fenaj não é contra ao estágio acadêmico em jornalismo desde que ele não seja obrigatório e que não favoreça a precarização da profissão, como ocorre na atualidade. Por fim, o representante dos trabalhadores fez uma reivindicação para que o MEC promova uma quarta audiência pública para divulgar o relatório final da comissão de notáveis.
IGUALDADE RACIAL
A presidente do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas, Valdice Gomes da Silva, fez uma fala relacionada à questão das ações afirmativas no currículo dos cursos de jornalismo. Ela apresentou um documento elaborado por comissões de jornalistas pela igualdade racial, que funcionam atreladas aos sindicatos de jornalistas de Alagoas, Bahia, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Distrito Federal e São Paulo.
“É preciso fazer com que a Lei 10.619 alcance também o ensino superior de jornalismo, para evitar que os alunos aprendam a produzir notícias com sentidos negativos atribuídos às minorias raciais. O estudante de comunicação termina o curso com uma visão elitista da sociedade”, comentou a sindicalista.
Já Cristina Brito, do Cesmac, defendeu a proposta de que o MEC implante a avaliação dos egressos dos cursos de jornalismo para aferir a qualidade dos recém-formados.
A representante do MEC, Cleonice Ehmes, disse que a próxima audiência deve ocorrer no final de maio, no auditório da OAB em São Paulo (SP). Ela disse que a comissão recebeu mais de 100 propostas para a revisão curricular do curso superior de jornalismo.
A mesa foi composta pelo presidente da Comissão de Especialistas do MEC, jornalista e professor José Marques de Melo, pelo professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e também membro da Comissão, Alfredo Eurico Vizeu Pereira Junior, por Eduardo Barreto Vianna Meditsch, da Universidade Federal de Santa Catarina, por Luiz Gonzaga Motta, da Universidade de Brasília; Manuel Carlos da Conceição Chaparro, da Universidade de São Paulo, por Sergio Mattos da Universidade Federal do Recôncavo Baiano e por Lúcia Maria Araújo, do Canal Futura.
Um comentário:
Para os empresários o que mais interessa é o lucro, naturalmente! Coisa que, aliás, eles sempre terão, independentemente das diretrizes que existirem no curso de jornalismo. Afinal, eles e seus anunciantes controlam o Estado, cujos lacaios fazem as leis, executam-nas e julgam seu cumprimento.
Portanto, qualquer coisa que vier, serve para eles e eles nada teriam a discutir sobre este assunto.
Assim, para eles o jornalista sem diploma fica mais barato que o diplomado, que investiu anos de estudo numa escola estatal ou pagou caro por uma faculdade, parte delas do tipo pagou-passou. E ambos raramente sabem a diferença entre uma democracia e uma ditadura do poder econômico, etc.
Mesmo porque, ao chegar numa redação, o poder do patrão (e de sua categoria) é tanto, que nada, absolutamente nada que o jornalista (e sua categoria) aprendeu, em termos de técnica ou ética (quando aprende...), vai fazer qualquer diferença.
Estou cansado de ouvir jornalistas mais velhos dizendo que a teoria da faculdade é quase nada, se comparada com a prática da redação. O jornalista se torna um mero escravo do empresário e, se não andar na linha que ele traçar, vai para a rua.
A angústia e o conflito entre o idealismo do estudante e a dura realidade concreta é tamanha que o Sindicato dos Jornalistas de MG publicou matéria recentemente em seu jornal "Pauta", abordando o elevado índice de enfermidade destes profissionais, em relação às demais categorias similares.
Por outro lado, a sociedade não parece interessada em alterar coisa alguma nesta correlação de forças. Ela prefere maximizar o lucro a qualquer custo do capitalista a proteger o empregado, de tal forma que ele possa exercer o verdadeiro jornalismo. A Fenaj defende como decorrência inexorável do diploma, a ética e a qualidade da informação, como sendo coisa impossível ou muito difícil para o jornalista auto-didata.
Considero a discussão sobre o diploma como algo terciário, caso tenhamos em vista um aspecto absolutamente mais relevante, que, infelizmente, é ignorado pela categoria: a relação subserviente e escravagista entre o jornalista e seu patrão.
Mais detalhes em:
Confecom - Lula, Pilatos, o diploma de jornalismo e o decreto: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=534IPB003
A sociedade quer informação com ética e qualidade? http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=529DAC001
"Diploma impede o empresário de dominar sobre a consciência do jornalista": http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=504DAC007
Liberdade de imprensa para quem?: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=491FDS008
Dissonância intelectiva dos mestres: http://www.abn.com.br/artheitor36dissonancia.htm
A estupidez conceitual da esquerda: http://observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?msg=ok&cod=496FDS006&#c
Análise dos Tipos de Poder : www.midiaindependente.org/pt/red/2008/05/419423.shtml
O que é e o que não é, realmente, uma democracia? http://prod.midiaindependente.org/pt/red/2008/05/418926.shtml
Sem conceituação não há revolução! : www.bempublico.com.br/novo.php?acao=mostrar_artigo&idArtigo=2318
Querendo se aprofundar em mais de 800 citações na rede obtidas numa pesquisa para meu nome e os termos "diploma" e "jornalismo", acesse http://www.google.com.br/search?rlz=1C1RNCN_enBR321BR321&sourceid=chrome&ie=UTF-8&q="heitor+reis"+diploma+jornalismo
Permaneço disponível para qualquer esclarecimento que se fizer necessário.
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