domingo, dezembro 26, 2010

Uma parada no natal































Dalmo Oliveira, em 25 de dezembro de 2010.

Nada melhor que um bom natal para podermos dar essa “parada coletiva”. Deus salve o menino Jesus! Pode-se ouvir nos ares a comemoração digna dos trabalhadores, das classes populares. Axé, irmãos! Que venha a Dilma e seus socialistas de aluguel. Nós somos “o povo”, dono de todas as glórias e honras. O povo, que assiste o desenrolar da história, sendo nós mesmos seus principais protagonistas.
Mais que o apelo consumista-cristão, o que importa mesmo nesses finais de ano é a sensação de “zerar” as coisas. Dar um break, uma respirada, fazer uma reflexão individual sobre nossas ações coletivas. É pra isso que serve o natal e as festas de fim de ano, a cada doze meses. Mesmo que a mídia mostre apenas o lado do consumo em massa, há de fato uma espécie de catarse coletivizada, inspirada pela evidência na mutação das coisas, na temporalidade da vida.
A reflexão é um exercício que merece calma, tempo e concentração. Os budistas sabem bem disso. Claro que não podemos achar que todas as pessoas fazem a mesma profunda avaliação interna na última semana dos anos, mas há uma energia flutuando sobre nossas cabeças que torna as coisas mais intensas, mais brilhosas, mais coloridas e alegres no natal.
Lembro ainda daquele natal terrível que tive que passar em 2001, num leito do Hospital São Rafael, na capital baiana, Salvador. Detalhe, fiquei absolutamente sozinho naquela noite, sem qualquer parente por perto. Mas sobrevivi. Acho que foi naquele ano em que quase me afoguei na praia de Stellamares, depois de uma mijada no mar. Estava com minha amiga, Cris, e fui salvo por um cara, que acho que era o salva-vidas da praia.
Fiquei internado toda a semana do natal, além daquele intervalo entre os dias 24-25. Dormi só, cheio de agulhas nas veias com remédios para dor. Quando me deram alta saiu a notícia da morte de Cássia Eller. Pense num final de ano ruim... Nessas horas você percebe como está envolvido numa rede de cuidados daqueles que te cercam mais de perto. Os amigos, os familiares, os filhos, a mulher, todos, de repente, sumiram na noite do natal.
E você tem que se contentar com a solidariedade missionária das enfermeiras. A maioria também injuriada por estar sendo obrigada a trabalhar na noite do natal. Como os motoristas, policiais, garçons e tantas outras categorias. É a solidariedade dos excluídos o que une aqueles desventurados, privados do convívio familiar justamente naquela noite.
Então, mesmo em torno de toda essa alegoria natalícia, algumas categorias não poderão fazer, neste mesmo período, a tal parada coletiva. Há coisas que não podem parar, mesmo que nasça um cristo naquela noite. O capitalismo é assim! Cristão, mas nem tanto. Mas mesmo esse que “não param” serão contaminados pela totalizante onda energética de euforia, felicidade, gentileza e boa-ventura.
Claro que também é preciso falar dos que ficam ainda mais eletrizados, mais rápidos e nervosos, mas todo esse estresse coletivo também é efeito da vontade coletiva de celebração de algo. Por isso, vem junto nesse período o aumento dos acidentes automobolísticos, os acidentes cardiácos e vasculares, a explosão de violência até.
Mas até os bandidos dão “uma parada” nesses dias, com exceção daquela categoria criminosa que tem coincidência para atuar na oportunidade em que as bolsas estão, teoricamente, mais cheias. O assalto, no período natalino, é quase apenas uma modalidade mais incisiva de pedir esmolas. A bolsa, ou a vida? Passa o celular! Perdeu boy!
E assim, vamos assistindo a evolução das comemorações natalinas, presenciando hoje em dia o simbolo máximo da sociedade de mercado, o automóvel, onipresente na propaganda da mídia capitalista. Algo ligado a nossa patologia coletiva da velocidade, da fluidez das coisas, como dirá Bauman. Cada vez mais velozes e menos reflexivos e cada vez menos flexíveis. Ôôôô!


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