segunda-feira, novembro 14, 2011

Câmeras e fuzis







por Dalmo Oliveira


Os jornalistas brasileiros possuem um código de ética que foi sendo consolidado e validado pela categoria nos últimos anos. Sua última versão conhecida data de maio 2008, editado e amplamente divulgado pela Federação Nacional dos Jornalistas. Em seu segundo capítulo, que trata “Da conduta profissional do jornalista”, o artigo sexto que aborda os deveres desse profissional, diz em seu inciso I: “opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
O inciso sexto do mesmo artigo sexto diz que é dever do jornalista “não colocar em risco a integridade das fontes e dos profissionais com quem trabalha”. No artigo sétimo do nosso Código de Ética, no inciso nono, pode-se ler que o jornalista não pode “expor pessoas ameaçadas, exploradas ou sob o risco de vida, sendo vedada sua identificação, mesmo que parcial, pela voz, traços físicos, indicação de locais de trabalho ou residência, ou quaisquer outros sinais”. O inciso quinto deste mesmo artigo diz que não podemos “usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime”.
Tem mais: o capítulo terceiro do Código, no artigo 11º, inciso II, proíbe que o jornalista divulgue informações “de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes”.
Há poucos dias a morte do repórter-cinematográfico da TV Bandeirantes, Gelson Domingos, durante a cobertura de uma operação policial no Rio de Janeiro, reacendeu a discussão sobre os limites e risco deste tipo de atividade jornalística. O sindicato carioca se apressou em acusar a empresa por fornecer equipamentos inadequados ao repórter. Soube-se, em seguida que o trabalhador havia sido contratado apenas para serviços internos, como operador de câmeras, e não como repórter-cinematográfico.
O noticiário sobre o caso também especulou se o jornalista não teria se posicionado de forma inadequada junto aos polícias da chamada “linha de frente”. Como todo repórter de imagem, Gelson queria captura o inédito, o confronto entre policiais e supostos criminosos. Buscava o furo, a imagem exclusiva. Mesmo que estivesse na rota das balas de lado a lado.
Mas até agora a sociedade brasileira não viu uma discussão sobre os princípios éticos da atividade que Gelson Domingos desempenhava no momento em que foi baleado num beco da comunidade Antares, em Santa Cruz, na zona oeste da capital fluminense. Evidentemente, não queremos aqui colocar juízo de valores sobre o profissional abatido em plena atividade laboral. Nossa discussão procurar estabelecer uma análise mais abrangente da praxis jornalística nas chamadas “coberturas de risco”.
Em primeiro lugar perguntaremos: há quebra do código de ética dessa profissão quando as empresas jornalísticas obrigam os repórteres a cobrir evento que vão de encontro à Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é o que ocorre geralmente nessas “operações” nas comunidades?
O jornalista que faz esse tipo de cobertura está colocando em risco a sua integridade física e de colegas? As imagens jornalísticas feitas nesse tipo de situação atentam ou não contra a recomendação de não expor as pessoas envolvidas nos conflitos, dando condições de identificação dos suspeitos e dos cidadãos ameaçados, explorados e sob constante risco de vida, que vivem em torno das áreas conflagradas?
Outra questão ética: essa modalidade de jornalismo acaba funcionando ou não como mecanismo social incitado de mais violência mais arbítrio e mais intolerância, por parte dos grupos em conflito (Estado e criminosos)? As imagens capturadas nesse tipo de cobertura são ou não informações de caráter mórbido, sensacionalista e contrários aos valores humanistas?
Se nossas respostas forem “sim!”, então concordamos que há algo de muito anti-ético nesse tipo de “jornalismo”.
Na minha opinião, as comissões de ética dos sindicatos de jornalistas e da própria FENAJ deveriam agir de maneira firme coibindo essa prática. Primeiramente junto às empresas de comunicação, convencionando com os patrões que a categoria não deva mais ser forçada a esse tipo de crime. O patronato tem alegado, repetidamente, que isso significa uma interferência na produção dos conteúdos jornalísticos e, que, portanto, seria uma espécie de censura externa.
Em nome da “liberdade de imprensa”, as empresas desses ramos têm cometido secularmente crimes odientos contra a coletividade, contra a consciência humanista dos profissionais da mídia, contra os direitos humanos, ignorando, solenemente o código de condutas éticas dos jornalistas.
A outra direção deve ser tomada diretamente em relação aos profissionais, que, em larga escala, desconhecem o código ético, ou simplesmente, descumprem suas exigências, em nome da busca desenfreada pelo “furo jornalístico”. Outra argumentação comum, e não menos cínica, é a de que, ou cumprem as pautas, ou serão demitidos.
O fato é que, omissão de um lado, ambição capitalista de outro, esse tipo de cobertura jornalística depõe contra a missão do jornalismo cidadão. É uma afronta aos princípios éticos da categoria. Ofende a cidadania. Desrespeita das comunidades onde os conflitos se dão. E coloca em risco a vida dos profissionais da imprensa, especialmente os fotógrafos e cinegrafistas.

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