Pintura de Modesto Brocos y Gómez retrata Casa de Farinha com mulheres escravizadas |
A iniciativa estadunidense tem como fundadoras Alicia
Garza, Patrisse Cullors e Opal Tometi, resgistrando suas primeiras atividades
fora dos EUA a partir de 2016.
Os últimos acontecimentos trágicos no Brasil,
com o brutal e covarde assassinato de João Alberto Silveira no estacionamento de
uma unidade do Carrefour em Porto Alegre, reascenderam a massificação do apelo
VNI.
Mas o que queremos discutir aqui é mais uma
problematização discursiva desse apelo do que a mobilização social mundial
antirracista.
Vamos começar, então, procurando analisar quais
são os reais motores sociais que dão importância (ou não) à vida humana na
atual conjuntura planetária.
Na famosa Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que delineia os direitos humanos básicos, adotada pela Organização das
Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, a importância à vida só aparece no seu
Artigo 3° : “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança
pessoal”.
Imagina-se, assim, que John Peters Humphrey, ao
esboçar a Declaração, tinha claramente em seu pensamento que, para os seres
humanos, não adiantaria nascer (ter vida) se essa condição não estivesse
inevitavelmente vinculada à garantia de viver em liberdade e com condições
igualitárias de dignidade e de direitos. “(...)Dotados de razão e de consciência,
devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.
Logo, percebemos que havia um consenso naquele
período de que se não houver liberdade, dignidade e vontade de fraternidade, a
vida não teria muita importância.
E é justamente isso que assistimos no momento: vidas
negras sendo descartadas, especialmente nas Américas, especialmente nos países
ocidentais, porque não conseguem ter liberdade, nem, muito menos, viver com o
mínimo de garantia de dignidade.
Diásporas
e holocaustos
Essa semana, o Brasil pode colocar novamente na
pauta da agenda pública a questão do racismo contra a sua população
afrodescendente. E a cada ano a gente vai se conscientizando ainda mais das
dimensões assustadoras do que foi (e das consequências atuais) o tráfico humano
de africanos e africanas para as Américas em quase quatro séculos de escravismo
comercial. O capitalismo atual não seria o que é sem essa modalidade de
negócio.
Só para termos uma ideia desse desastre
humanitário absurdo, o holocausto do povo judeu na Europa vitimou (em poucos
anos, durante a Segunda Guerra) algo em torno de 8 milhões de vidas. Aliás, o
termo “gueto” tem origem no confinamento de pessoas de origem judia depois da
invasão nazista à Polônia, onde foram estabelecidos lugares assim em Budapeste,
na Cracóvia, em Lvov, em Vilnius, em Kovno e o famoso Gueto de Varsóvia.
O comércio de escravos no Atlântico (tráfico
transatlântico de escravos), também chamado de “tráfico negreiro”, ocorreu entre
os séculos XVI e XIX, teria atingido cerca de 12 milhões de mulheres e homens capturados
em várias partes do continente africano. Apenas o Brasil teria adquirido mais
de 5 milhões de pessoas escravizadas nesse período.
A dispensa de vidas negras africanas atiradas
ao mar durante as travessias do transporte dos escravizados é um dos episódios
mais bizarros da história moderna da humanidade.
Negro
importante
Depois que a sanha escravista foi abolida,
oficialmente, da face da Terra (e o nosso glorioso Brasil entra para a História
oficial como o derradeiro país a abolir esse tipo de crime contra a
Humanidade), vidas negras passaram a importar cada vez menos.
O genocídio da nossa gente, que continua até os dias atuais nos “guetos negros” do Brasil é uma espécie de efeito colateral tardio dos séculos de escravização dessa população em nosso território pátrio.
Então, aqui precisamos mudar um pouco a
intencionalidade dessa afirmativa coletiva engajada que diz que nossas vidas
importam. É óbvio que importam! Mas
importam para nós mesmos!!
Uma pessoa não-negra no Brasil, ou nos EUA, pode
até se solidarizar com as vítimas da barbárie racista, mas ela não tem
condições de alcançar uma empatia efetiva conosco, pelo simples fato de que
jamais vai sentir o que sentimos.
Jamais, os não-negros vão saber da dor
ancestral com que nascemos. Não basta sentir-se negro. Nossa africanidade não é
opcional, não é uma “escolha de vida”, muito menos um “estilo de viver”.
A vida negra importa para o povo negro. Importa
para as mães negras que perdem, historicamente, seus filhos precocemente.
Importa para os pais negros que observam, impotentes, seus garotos e garotas recrutados/seduzidos
para os submundos da criminalidade. Vidas negras se importam, consigo mesmas.
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