Olha, na moral: quando eu estudei para ser jornalista não tinha essa onda de “multimídia” não! O cara se formava mesmo no nobre ofício do Jornalismo, que é uma das possíveis habilitações do curso superior em Comunicação Social. Me chame de “comunicólogo”, mas, pelo amor a Deus, não me chame de “multimídia” não. Por caridade!
O que está ocorrendo com o jornalismo é uma espécie de “esvaziamento” deontológico. A profissão foi sendo moldada, conforme a tecnologia foi avançando. Eu sou do tempo dos cursos de datilografia, saca?! Não tinha essa ondinha de computadores, internet e as pós-modernidades facilitadoras da atualidade. Nós trabalhávamos com informações e nada mais. Essa é a principal tecnologia disponível aos jornalistas.
Mas hoje, um grupo de notáveis professores doutores, a exemplo, do guru alagoano do pensamento comunicacional, José Marques de Melo, defende, junto ao MEC, uma reformulação no currículo do jornalismo, para tornar o curso de graduação mais apto a preparar “profissionais multimídia”. Eles argumentam que as nova tecnologias de comunicação exigem um jornalista que domine as novas ferramentas, operando especialmente no universo digital.
Mas isso já acontece na prática! Os acadêmicos de jornalismo hoje são verdadeiros hakers, que adoram blogues, fotografia e cinema digital. Todos sacam softwares, como os editores de texto, Word, ou os similares livres da BrOffice, com o qual escrevo agora. Muitos também são exímios programadores e artistas visuais, operando a última versão do Corel Draw ou do Photoshop.
O webjornalismo já se tornou uma realidade promissora para nossa profissão. A blogosfera pública se transformou, fundamentalmente, na mais nova metáfora idealizada por Habermas. O ato de postar escritos tornou-se tão volátil e simples, que banalizou o jornalismo, como se todos fôssemos capazes de escrever notícias.
Não é bem assim! Existem técnicas por trás desse ofício. Como um ortopedista que recoloca os ossos em seus devidos lugares, ou os dentistas que “consertam” nossas bocas. Nesse sentido, o que queremos não são os aprimoramentos das técnicas de “escritas”, mas das metodologias de produção e organização cognitiva. O que se discuti aqui não é, essencialmente, como se produzem notícias, mas o que se coloca nesse noticiário. A plataforma e as embalagens do jornalismo são secundários, o que se prioriza são os conteúdos e suas relações com o processo de construção de determinada realidade social.
Para alguns intelectuais descolados pode até parecer “bacana” se auto-intitular “multimídia”. O cara nem é jornalista, nem é relações públicas, nem é publicitário, nem é marketeiro, nem é cineasta, nem é radialista, não é designer, mas enche a boca para dizer aos quatro cantos “eu sou um multimídia!”.
Mídia é apenas a plataforma. Um comunicador mutimídia seria o profissional que domina e se expressa em várias plataformas comunicacionais. Não é uma profissão, um ofício. Se fosse no campo da medicina, um clínico geral poderia se dizer “médico multimídia”. Um jogador de futebol multimídia seria aquele que desempenhasse a função de goleiro, zagueiro, meio-campista e atacante. Ou seja, multimídia faz tudo e não faz bem nada.
Portanto essa proposta de escolas de Comunicação formarem multimídias é uma piada (de péssimo gosto!). A sociedade não pode prescindir do jornalista, mesmo que esse tenha que dominar várias mídias. O jornalismo é uma função social e não meramente técnica ou tecnológica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário