quinta-feira, julho 01, 2010

Entrevista com o homem do trombone



por Dalmo Oliveira




Radegundis Feitosa, morto hoje pela manhã, num acidente automobilístico na estrada a caminho de Itaporanga, foi um dos primeiros caras que entrevistei no início de minha vida acadêmica, em meados dos anos 80, durante a graduação em Jornalismo na UFPB.
Os departamentos de Comunicação e de Música são vizinhos, ali no prolongamento do CCHLA. Sempre que eu passava pelo portão principal do campus I, em direção ao antigo DAC, era fisgado pelos sons que saiam do bloco de Música, onde sempre há alguém ensaiando. Só esse detalhe do meu cotidiano nos quatros anos da graduação já me enchia de uma certa euforia e satisfação de poder compartilhar um ambiente tão repleto de referências e significados. Como sempre gostei de música, aquilo prá mim era um privilégio.
Mas foi durante as aulas do jornal laboratório, conduzidas pelo professor David Fernandes, se não me engano, quando tive a oportunidade de exercitar técnicas de entrevista. E uma das pautas inesquecíveis que recebi naquela ocasião foi entrevistar o trombonista Radegundis.
Imagino que nenhum aluno de jornalismo esqueceria de algo assim, a começar pelo nome incomum do entrevistado. Não lembro bem do conteúdo da entrevista, mas sei que se tratava a algo relacionado ao trabalho que Feitosa desenvolvia no Departamento. Ele me recebeu numa daquelas salas acústicas onde passava horas com seu companheiro inseparável. Não tocou nada na ocasião, mas falava da música com a paixão daqueles que têm suas existências vinculadas a essa arte.
A matéria saiu numa das raras edições do jornal laboratório, que batizamos de "Nariz de Cera". Infelizmente, essa peça eu não tenho no meu currículo. Mas foi naquela entrevista com o Radegundis, que me recebeu de forma solícita e profissional, que descobri que essa profissão nos dá algo mais que a simples capacidade de escrever notícias e de reportar acontecimentos. O jornalismo nos aproxima das pessoas, nos faz enxergar as pessoas de maneira mais profunda e mais respeitosa. Nos vincula aos demais seres humanos de maneira permanente e perene.
Depois da entrevista, o Departamento de Música passou a ter um significado específico para mim. Não era apenas mais um prédio da UFPB cheio de professores e estudantes mobilizados em busca de um canudo de doutor.Sabia que lá dentro havia um trombonista de nome esquesito, super-craque na teoria e prática musicais. Um cara simples, sertanejo, com fala mansa, olhos profundos, nariz volumoso e dedicação sacerdotal.
Com o passar dos anos a fama do meu primeiro entrevistado foi crescendo. Depois que sai do curso via sua carreira se projetando em notícias de jornal e TV. Devo tê-lo escutado tocar em algumas outras poucas ocasiões.Claro, que aquela experiência na graduação me abriu os ouvidos e coração para a música instrumental. Ainda hoje, quando passo por ali, foco o ouvido em busca dos trombones, trompetes e outros sons de sopro.
Hoje na TV, vi os restos retorcidos e chamuscados do trombone de Radegundis. O maestro se foi, mas os sons de seu instrumento musical hão de permanecer eternamente pairando no ar, entre Música e Comunicação.

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