quarta-feira, outubro 31, 2018

Democracia não combina com obrigatoriedade

O voto é um direito ou uma obrigação
Quase 22% dos eleitores e eleitoras aptos a votar no domingo passado, no segundo turno das eleições brasileiras, sequer se animaram a sair de casa em busca de suas zonas eleitorais. E, dos que foram às urnas, quase 10% preferiu anular o voto ou votar em branco. Os números parecerem reveladores do desencanto do povo brasileiro com o atual sistema representativo. 


Nem o discurso apelativo ultraconservador de Jair Bolsonaro (PSL), nem tão pouco as propostas mais coerentes e equilibradas do petista Fernando Haddad conseguiram mobilizar grande parte do eleitorado. Afora os enfermos e as pessoas que não estavam em seus domicílios eleitorais no domingo, dia 28, um grande volume de cidadãos e de cidadãs não se empolgam mais com a famosa “festa da democracia”. Por que será? 

A fabulosa abstenção registrada esse ano (quase 43 milhões de brasileiros) pode ter razões que vão além do mero (e legítimo) espírito que estimula a desobediência civil. Ao longo dos anos, o sistema democrático brasileiro (com o eleitoral incluso) foi sendo desmoralizado por aqueles que são seus principais atores. Aquilo que se convencionou chamar de “classe política”, que autofagicamente decidiu por boicotar, criminosamente, o sistema de representação política. 


 A priori, uma banalização na criação dos partidos políticos, que tornou o Brasil um dos países do Ocidente moderno com uma quantidade de agremiações partidárias surreal. Com o final da ditadura e início da abertura democrática em 1985, o bipartidarismo entre Arena e MDB, foi suplantado por uma profusão de entidades partidárias das mais inimagináveis matizes sociais. 


 O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registra 35 partidos políticos oficializados, mas informa também que atualmente existem mais 73 partidos em processo de formação no pais. Um desses é o Partido das Sete Causas (PSETE). A sigla comunicou ao TSE, no último dia 23, o registro civil em cartório e solicitou senha de acesso ao Sistema de Apoiamento a Partidos em Formação (SAPF) daquela Corte. 


Um partido pra chamar de seu 


Além dos partidos-grife como MDB, PSDB, PT, PDT, PTB, PSB e PV, os eleitores dispõem de agremiações menos famosas, como DC (Democracia Cristã), PPL (Partido Pátria Livre) e o PMB (Partido da Mulher Brasileira), esse último homologado em 2015 juntamente a Rede Sustentabilidade e o Partido Novo. 


Com essa profusão de siglas partidárias, evidentemente o Brasil passou a ser também o país aonde os políticos mais trocam de “casaca” no mundo, tanto que foi necessário o TSE criar a resolução 22.733, em 11/03/2008, que disciplina o processo de perda de cargo eletivo e de justificação de desfiliação partidária, a incrível Lei da Fidelidade Partidária. 


O parágrafo 1º do art. 1º da Resolução-TSE nº 22.610/2007, considera “justa causa” para a troca de partido os casos em que houver a incorporação ou fusão do antigo partido, a criação de novo partido, ou a mudança substancial ou o desvio reiterado do programa partidário e ainda a grave discriminação pessoal. Segundo o site do TSE, “(...) Podem formular o pedido de decretação de perda do cargo eletivo o partido político interessado, o Ministério Público Eleitoral e aqueles que tiverem interesse jurídico”. 


Provavelmente, os que elaboraram a lei esqueceram de adendar que, os eleitores inscritos no TSE também deveriam ter o direito de pedir a decretação da perda do cargo eletivo para aqueles em quem votaram e que migraram de partido de uma hora para outra. Afinal, o Direito Eleitoral deveria beneficiar, principalmente o cidadão eleitor, e não apenas as instituições partidárias. Ou seria caso para o Direito dos Consumidores?? 


Não, obrigado! 


Analisando assim, vemos que, além da “classe política”, o sistema judiciário eleitoral também tem sua parcela de culpa nesse desengano dos eleitores que não querem mais votar. Quando a democracia é posta em xeque, sempre aparece alguém para lembrar: “ainda é o melhor sistema político até agora inventado!”. Evidentemente, o modelo democrático foi pensado para que “maiorias” determinem as cartas do jogo para todos. Mas, é democrático obrigar as minorias a participarem desse jogo? Ou seja, é legítimo esse direito-obrigação?? 


Estudos sobre modelos de democracia revelaram recentemente que dos 24 países que obrigam seus cidadãos e cidadãs a votarem, 13 estão na nossa América Latina. Dos 15 países do mundo com os maiores PIB’s, apenas o Brasil mantém o sistema de voto compulsório. Em países como Indonésia, Coréia do Sul, México, Rússia, Índia e China o voto é absolutamente facultativo. 


O voto obrigatório estimula a corrupção eleitoral. Impõe ao povo um servilismo ao sistema político partidário. É como se escravos modernos fossem obrigados a escolher seus capatazes ou capitães-do-mato (os gerentes do Estado). Não combina com os conceitos mais libertários de democracia, da ideia basilar de República e de avanço civilizatório. 


As eleições do domingo passado mostraram que o Brasil será governado a partir de janeiro por alguém que sequer obteve a maioria dos votos dos brasileiros e brasileiras que podiam votar. Isso é justo? É democrático??

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