Há um certo vício semântico em nossos intelectuais, notadamente os camaradas jornalistas, na utilização irrefletida e banalizada da palavra “província”, ao referirem-se à cidade de João Pessoa e, às vezes, até à própria Paraíba. Eu diria um vício provinciano, reacionário e inocente.
Talvez até por ignorância muitos desses escribas usam a terminologia quando na verdade estavam querendo apenas dizer que João Pessoa/Paraíba é “atrasada”, ou quem sabe “ultrapassada”. Neste sentido, o referencial dessas senhoras e desses senhores é inequivocamente o da modernidade, ou, melhor, da pós-modernidade. Um conceito tão gasoso como ideologicamente impositivo.
Na imprensa paraibana, a cidade e o Estado são culpados de serem “provincianos” pelo fato de não acompanharem, por razões históricas, culturais e estruturais, o padrão de desenvolvimento dos grandes centros. Província, desta forma, foi ligada ideologicamente ao mesmo conceito de periferia: “O que era velho no norte, se torna novo no sul”, lembra Zero Quatro.
Do latin provincia, o primeiro significado que é dado ao termo é o de “Divisão regional e/ou administrativa de muitos países, em geral sob a autoridade de um delegado do poder central”. A vinculação com o campo da política é evidente nessa palavra. O tal “delegado do poder central” nada mais é que o excelentíssimo senhor governador, nomeado pelo povo, mas ligado inequivocamente ao poder central pelo chamado “pacto federativo”, onde todos os governadores mantém uma relação de dependência com o presidente da República.
Por tanto, quanto mais subserviente à Brasília, mais provinciano. Quanto mais dependente econômica e culturalmente de São Paulo, mais provinciano. “No Segundo Reinado, cada uma das grandes divisões administrativas, a qual tinha por chefe um presidente”, acrescenta o “pai dos burros”. Antigamente, os governadores eram também chamados de presidentes (das Províncias).
Nos tempos atuais, província também significa “o interior de um país, por oposição à capital e seus subúrbios”, segundo o Aurélio. Por extensão, os habitantes da província, ou seja, os paraibanos, somos todos um bando de “provincianos”. Claro! Muito mais que os pernambucanos e sua “Veneza brasileira”. Bem mais que os baianos e sua cosmopolita São Salvador, primeira capital brasileira e, talvez por isso mesmo, jamais poderá ser taxada de “provínciana”. Somos mais provincianos (poderíamos dizer tabaréis) que o pessoal de Natal, que assimilou tão bem a influência norte-americana, ou dos cearenses, esse povo negociador por natureza e que por isso mesmo precisa do intercâmbio constante com os centros de consumo e da moda.
Província também era a região conquistada fora da Itália e administrada por um governador patrício, nos primórdios do Império Romano. Ou o conjunto de conventos e conventuais duma ordem religiosa, governados pelo “provincial” e dependentes do superior-geral da ordem. Taí o dedo clerical na composição de nossa condição provinciana, às vezes franciscana, às vezes carmelita, às vezes beneditina.
O dicionário diz também que a província é uma “Extensão da jurisdição de uma metrópole”. Nesse caso, historicamente, a Paraíba é uma extensão jurisdicional de Pernambuco, conseqüentemente, João Pessoa seria uma espécie de sucursal da Grande Recife. Por isso que nossa intelectualidade se nutre do que escrevem os coleguinhas do Diário de Pernambuco. Por isso todo mundo acha bacana sair no Galo da Madrugada.
É esse complexo provinciano de inferioridade que faz com que os aviões com os turistas só cheguem até Guararapes, ou passem direto para Natal ou Fortaleza. Por culpa do nosso provincianismo (leia-se incompetência) é que a ilha de Fernando de Noronha pertence a Pernambuco, apesar de, geograficamente, estar mais próxima do litoral paraibano, de onde não se pode tomar barco ou avião para um passeio no arquipélago paradisíaco. Foi essa relação de dependência que fez com que por longos anos o paraibano fosse obrigado a fazer compras no Shopping Center Recife. É porque somos provincianos que nossos times não têm futuro e só torcemos pelo Flamengo, Vasco, Sport ou Náutico.
Já para a Fitogeografia, “província” é um “Território florístico que se caracteriza pela posse de ao menos uma comunidade climática e pelo endemismo de nível genérico e específico”. Desta forma, teríamos no Brasil três espécies de províncias: amazônica, central e atlântica. Por essa disciplina, somos uma província do gênero atlântico, graças a Deus! Estamos defronte para o oceano, de cara para a Mãe África, no extremo oriente dessa América velha, colonizada e tão provinciana quanto a Paraíba. O resto é charme de quem só enxerga seu próprio umbigo.
*Dalmo Oliveira é jornalista e provinciano de Guarabira (PB)
2 comentários:
Dalmo, você escreveu com a sinceridade e inteligência de um jornalista paraibano, e provinciano, que seja. rsssss. Parabéns, adorei o texto. Deveria ser publicado na nossa querida e nada preconceituosa Folha. Bjs Giovanna
Dalmo
O blog está pesado, as fotos não abrem bem...dê um jeitinho, meu nêgo!!!
Cris
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