quarta-feira, junho 02, 2010

VOCÊ VIU O RACISMO POR AÍ?


Por Dalmo Oliveira*

O episódio recente envolvendo a estudante africana, da Guiné-Bissau, Cadidjatu Catsama, aluna do curso de Letras da UFPB, expôs, mais uma vez o despreparo da mídia local na cobertura de assuntos etnicorraciais. A deficiência é mais visível quando os jornalistas paraibanos passam a opinar sobre o ocorrido. Dois casos típicos ocorreram, coincidentemente ou não, no jornal Correio da Paraíba.
No domingo, dia 30, Jãmarri Nogueira, voltou a dar uma de Ali Kamel tabajara, ao afirmar que a jovem molestada por um promotor de vendas de cartões Máster não havia sofrido racismo. Nogueira definiu tudo como “(...) Uma briga resultante do que de pior pode haver entre o mal-entendido, a imbecilidade comportamental e a cafucetofrenia”. Definição típica de Nogueira, que costuma desqualificar aquilo que discorda com neologismos produzidos por quem costuma testar o tacape na própria testa.

Na quarta-feira, dia 02 de junho, o editor-geral do mesmo Correio, Walter Galvão, escreve na página de opiniões do matutino: “Ficam algumas conclusões: nós da imprensa erramos quando tratamos o fato como crime de racismo; mas acertamos a dar amplo destaque a uma manifestação racista, atitude que merece a reflexão das pessoas (...)”.
Para Galvão, a moça africana sofreu apenas “injúria racial”, que se caracterizaria quando ocorrem ofensa e discriminação contra uma pessoa determinada. Para a Wikipédia (uma enciclopédia virtual), racismo “(...) é um preconceito contra um ‘grupo racial’, geralmente diferente daquele a que pertence o sujeito, e, como tal, é uma atitude subjectiva gerada por uma sequência de mecanismos sociais”.
Ora, mesmo que o tal Vagner Silva possa também ser considerado “negro” e mesmo que tivesse reagindo às pedradas que Cadidjatu tentava acertar-lhe, ao revidar verbalmente fazendo menção à cor da pela da estudante, ele externou toda sua subjetividade racista ao chamá-la, supostamente, de “negra-cão”.
Os defensores do promotor de vendas tentam criar subterfúgios filosóficos e linguísticos para dizer que não houve racismo. Alegam que Vagner ofendeu apenas à individualidade de Cadidjatu e não à coletividade afrodescendente da qual a estudante faz parte.
Mas se ela fosse uma cidadã alemã e o destemperado Vagner a tivesse chamado de “branca-diabo” tenho certeza que Nogueira e Galvão não teriam a mesma opinião e defenderiam a tese de que o jovem machista e racista pernambucano havia atacado de forma sórdida todos os nordicodescendentes germânicos.
Acho que houve exagero também por parte do procurador da República Duciran Farena, presidente do Conselho de Defesa dos Direitos do Homem na Paraíba, ao pedir ao Secretário de Segurança da Paraíba o afastamento da delegada que primeiro interrogou o acusado, liberando-o em seguida, sem indiciá-lo por racismo. O mais sensato seria oferecer à delegada uma reciclagem profissional na área de direitos humanos e de promoção da igualdade racial.
O comportamento da delegada foi semelhante ao dos colegas jornalistas do Correio da Paraíba. Os três ignoram os danos que uma pessoa pode sofrer ao ser vítima de uma atitude racista e preconceituosa por causa de sua origem étnica. Na prática, a delegada e os jornalistas expõem para a sociedade suas próprias intersubjetividades impregnadas do racismo tupiniquim, ao não enxergarem a atitude racista de Vagner Silva em relação à Cadidjatu e à coletividade que ela representa nesse triste episódio.
É preciso dizer ainda que esse evento ocorrido dentro do campus I da UFPB pode ter dimensões maiores do que se imagina. Ao envolver uma aluna beneficiária de um Programa de Intercâmbio entre o Brasil e a Guiné-Bissau, a ocorrência na Pracinha da Alegria do CCHLA pode desencadear uma série de outras conseqüências, como por exemplo, o descredenciamento de Cadidjatu do intercâmbio por ter se envolvido em tamanha confusão. Ou pior, o cancelamento total deste tipo de Programa de Intercâmbio entre UFPB e o governo da Guiné-Bissau, prejudicando centenas de jovens daquele país interessados em estudar numa universidade pública brasileira.
A Reitoria da UFPB precisa ainda tomar uma providência definitiva sobre esse “mercado persa” em que se transformaram os espaços de convivência dentro dos campi, onde pessoas totalmente alheias ao processo educacional passam os três expedientes diários azucrinando a vida acadêmica de estudantes e professores.

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* JORNALISTA GRADUADO PELA UFPB EM 1991; MESTRE EM COMUNICAÇÃO PELA UFPE EM 2007; ATIVISTA DO FÓRUM PARAIBANO DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (FOPPIR).

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